A melancolia e angustia de 'Control' (2007)

Gosto de Joy Division. Imagino que muitos de vocês, leitores, também. Não me lembro da primeira vez que tive contato com a banda, mas parece ter sido há tanto tempo que me sinto quase como o melhor amigo de Ian, às vezes. Posso dizer que o tempo que passei em contato com o trabalho do quarteto inglês moldou meu gosto musical e, de certa forma, diversas outras facetas do meu ser. No caso de você ter sido confinado em cativeiro noutro planeta durante a década de setenta até os dias atuais, faça um favor a si mesmo e compense o tempo perdido: vá atrás da curta discografia e devore-a o mais depressa possível.

Fato é que, certa vez, fui ao trabalho vestido com uma camiseta do álbum Unknown Pleasures. Em determinado momento, durante um intervalo que costumamos fazer no fumódromo, um colega - tendo em conta meu regozijo pelo cinema -, questionou-me acerca de minha opinião a respeito de Control: “...aquele filme sobre o Ian Curtis.”. Sorri. Expirei a fumaça e lhe perguntei quanto tempo tínhamos ainda disponível.

Ian Kevin Curtis era um rapaz singular. Sensível, taciturno, enfadonho, depressivo, epilético e alcoólatra. Vivia em um pequeno condado no norte da Inglaterra e, quando em casa, costumava deitar em sua cama, acender seu cigarro, escrever poemas e ouvir músicas: não necessariamente nessa ordem, mas muitas vezes ao mesmo tempo. Entre rotinas permeadas de nicotina e David Bowie, Ian viria a percorrer um intenso percurso em sua história como marido, pai, amante, liricista e vocalista de uma das mais célebres bandas que o mundo já viu. Controle faz um breve compêndio dessa trajetória, evidenciando os altos e baixos – os últimos mais frequentes, verdade seja dita – em um idioma que capta toda a essência de uma característica melancolia pesarosa como apenas a linguagem cinematográfica alcança.

Baseado no livro Touching from a Distance, escrito pela viúva de Curtis, Deborah, o longa é dirigido pelo fotógrafo Anton Corbijn – que ostenta em seu currículo trabalhos com as bandas Depeche Mode, Nirvana, U2, Roxette e, obviamente, Joy Division. Essa reunião de pessoas que o conheciam bem resultou em um trabalho deslumbrante e concomitantemente triste, que pondera de forma responsável temas de grande delicadeza social e psicológica em contraste com um suposto entretenimento efêmero. Mesmo o espectador médio é capaz de captar com facilidade as particularidades de Ian. Sua incapacidade de lidar com as próprias emoções é sintomática e extremamente bem representada por Sam Riley, eficaz em entregar uma performance capaz de nos fazer acreditar que seu corpo foi cedido para que Ian pudesse atuar em seu próprio filme: a angustia do personagem quase sai da tela e nos esbofeteia o rosto.

A despeito de toda a aflição causada pela conturbada estrada que os personagens parecem percorrer em direção à ruína - o filme termina sem nos dar qualquer perspectiva de futuro – existem os momentos de derradeiro bem-estar, como nos átimos em que Curtis e Deborah se conhecem e descobrem-se um ao outro até a apressada decisão do casamento que, paradoxalmente, viria a ser um estorvo na vida dos dois em momentos posteriores. Tanto maior o tormento causado pelo enlace matrimonial, mais instável torna-se o comportamento de Ian, que passa a medicar-se com fármacos extremamente perigosos, afetando seu comportamento e a forma como lida com outras pessoas.

A rotina maçante de shows, os medicamentos para depressão e epilepsia, a percepção das consequências de um casamento prematuro e uma filha - fruto daquele último -, acabaram por trazer a Curtis uma desconexão entre suas ações e sua consciência: ao passo que não tinha intenção de machucar as pessoas ao seu redor, suas atitudes em busca de válvulas de escape para a existência e cotidiano causticantes podem indicar imaturidade em lidar com tais atribulações. Nesse contexto, a jornalista belga Annik Honoré (Alexandra Maria Lara) entra em cena. O enredo não a trata como uma amante intrusa em uma conjuntura que não lhe é própria, mas, de forma verossímil, evidencia momentos em que Ian aparece quase feliz – se é que tenha sido algum dia - em um relacionamento cujas nuances emocionais que não são um quadro de cores pretas ou brancas – o que contrasta com a fotografia, no fim das contas.

Do outro lado, Deborah Curtis, magistralmente interpretada por Samantha Morton, aparece levando uma vida inquietante: sua rotina é alicerçada em esperar a volta de Ian de suas viagens, ao passo que cuida da filha do casal sozinha. Quando o confronta sobre seu affair com Honoré, por exemplo, Curtis se encolhe no canto de um cômodo, deixando clara sua insatisfação com seu próprio comportamento e, mais que isso, sua incapacidade de lidar com tais desdobramentos – provenientes de suas próprias atitudes. Num lampejo de puerilidade e desespero, promete se livrar de Honoré, para na cena seguinte encontrá-la em mais uma viagem de shows.

Ian, no fim das contas, perdeu o controle de sua própria vida. Duvido se algum dia chegou a segurar as rédeas de sua existência. Ao contrário, parece-me simplesmente que as batalhas consigo mesmo eram diárias tentativas de encontrar maneiras de não afogar consigo as pessoas que gostava, uma vez que seu náufrago era iminente. No limite, tira sua própria vida em uma cena impecavelmente executada: o silencio que antecede o sucedido, os preparativos de Curtis, o grito de Deborah ao encontrar o corpo e a reação dos colegas de banda ao receberem a notícia, tudo contribui para a sensação desoladora que o espectador sente, especialmente ao constatar o crescente sucesso que sua banda estava fazendo - com a aproximação da primeira turnê nos Estados Unidos, por exemplo.

Tecnicamente, as apresentações do Joy Division retratadas no longa são excepcionais. Os atores realmente tiveram de aprender a tocar as músicas. Riley não decepciona em sua performance como Ian no palco – as danças excêntricas e os ataques de epilepsia são extremamente categóricas. Em contrapartida, o filme não deixa claro o processo criativo pelo qual Ian estruturava suas composições – há apenas uma cena em que o vemos escrever, em uma folha, “She’s Lost Control”. Não obstante não ser uma história sobre sua banda, seus escritos refletem sua personalidade e uma faceta de sua vida sendo, portanto, parte de sua história.

A fotografia também deve ser destacada e créditos devem ser concedidos ao responsável pelo trabalho primoroso - Martin Ruhe consegue transmitir os sentimentos de cada cena a partir de uma paleta acinzentada que torna ainda mais impactante a imersão e experiencia de quem assiste. O plano em que Ian caminha na rua após dizer à sua esposa que não a ama ao som de "Love Will Tear us Apart" é uma das minhas cenas favoritas do cinema – talvez menos por seus aspectos técnicos do que pelo apelo emocional que causa em mim como fã.

Por fim, me abstenho de qualquer comentário sobre a trilha sonora. Isso daria outro texto. Controle é menos sobre um enredo repleto de reviravoltas que sobre a vida – uma vida específica que terminou cedo demais. De modo geral, não há finais felizes aqui. Sem alarmes e sem surpresas. Sobre isso, nos resta a reflexão: que desdobramentos – para a música e sociedade - poderiam ter emergido em uma suposta conjuntura em que Ian ainda estivesse vivo?

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