Há filmes consagrados que
dispensam palavras para descrevê-los: de Encouraçado Potemkin à trilogia O
Poderoso Chefão, de Ran à 2001: Uma Odisseia no Espaço. São títulos que carregam uma aura maior que qualquer cartão de visitas, integram panteão máximo do cinema e superam qualquer gênero ou classificação como obras de arte que atravessam gerações sem perder o brilho e se
sustentando através do tempo como verdadeiros clássicos. Era
Uma Vez No Oeste, que fará seu quinquagésimo aniversário este ano, é um dos
nomes presentes nesse escalão de filmes que transcende o cinema e as artes
cênicas e audiovisuais de forma geral. Não como um entretenimento qualquer, mas
como documento do que o cinema era em 1968, quando foi lançado, e tudo o
que ele poderia vir a ser a partir dali.
Esta obra faz a transição do
clássico cinema de velho oeste americano, caracterizado pelas disputas
territoriais e a relação dos homens e suas famílias com suas terras, a disputa
entre mocinhos, foras da lei e índios; A visão do faroeste do italiano Sergio Leone e o Spaghetti Western (Conheça o gênero aqui); E estabelece vínculo com o futuro, com a era moderna e a
tecnologia que já batiam à porta. Já no título, a obra evoca que além de uma fábula,
a história que se segue é um olhar, que não chega a prestar qualquer tributo ou
homenagem para aquela época onde armas e dinheiro faziam a lei.
A trama se desenrola na cidade fictícia
de Flagstone, oeste americano. Brett McBain, um irlandês há alguns anos
radicado ali é dono de terras presumivelmente infrutíferas em meio a um
deserto. O avanço da civilização chegou até aquele lugar,
onde a ferrovia está prestes a cruzar as terras de McBain, que vem sendo coagido pelo dono da companhia à negocia-las, até ser friamente assassinado, deixando como única herdeira Jill McBain, com quem havia se casado em
segredo poucos dias atrás em Nova Orleães. Três homens rondam Jill na história: Gaita (ou Harmônica), um novo
homem sem nome, como já visto nos filmes anteriores de Leone; Cheyenne, um
foragido da lei acusado injustamente do assassinado de Brett McBain; E Frank, o real
e temível assassino contratado por Morton,
o magnata ferroviário.
Os delírios e excentricidades de
cada personagem, cada qual com trejeitos próprios e marcantes à sua maneira
também fogem aos arquétipos, são todas construções corajosas. O que é
possibilitado pelos atores que estão em grande forma: Claudia Cardinale, Charles
Bronson, Jason Robards, Gabriele Ferzetti e, especialmente, Henry
Fonda - tão acostumado ao papel do herói que aparece incrível como o
impiedoso Frank. Ferzetti, no papel de Morton, também passa com impacto a agonia de
um homem rico e poderoso, porém deficiente e que precisa de auxílio até para se
sustentar de pé – consumido pela própria ganância. Cada olhar de Jill como
uma mulher que precisa lutar pela própria sobrevivência, e suas palavras
carregadas com a vida que só uma grande atriz é capaz de dar, abrilhantam ainda
mais as cenas dramáticas em que ela sempre se sobressai, enquanto Cheyenne tem nos últimos minutos do
filme uma belíssima e sentida despedida, tanto com Jill como com Gaita.
Era Uma Vez No Oeste sempre será historicamente significativo para
a história do cinema, transcendental para Western
Spaghetti e para a indústria como um marco de produção. Cinematograficamente perfeito, Sergio
Leone encarna os elementos que fizeram de John
Ford uma lenda, como seu preciso enquadramento e profundidade de campo em
ambientes fechados aliados à técnica de planos fechados extremos - principal assinatura de Leone - pelos quais o público é sugado através dos olhos e emoções de cada
personagem. Ennio Morricone, habitual
colaborador do diretor, escreveu motivos harmônicos para cada um dos principais
personagens da história, ponderosamente marcantes, que destacam e dão vigor apoteótico
para cada um dos personagens - que sublimam ainda mais cada um dos encontros e conflitos do filme.
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O que é Spaghetti Western (o faroeste italiano)?Os 20 melhores filmes Spaghetti Western, segundo Quentin Tarantino
O roteiro escrito a seis mãos -
em parceria do diretor com dois outros mestres do cinema italiano, Bernardo Bertolucci e Dario Argento, à época ainda jovens
cineastas - é impecável e, sem sombra de dúvida, um dos melhores já escritos.
Graças a ele, em momento algum o espectador assiste passivo ao filme e é sempre
instigado a entender o que está se passando entre cada troca de olhares e
diálogos não verbalizados. De forma tão palpável, que cada desconforto
instaurado nos conflitos entre os pistoleiros é capaz de tomar a sala de
exibição com o silêncio típico da tensão.
Como obra cinquentenária, seria
uma enorme redundância encher Era Uma Vez
No Oeste de adjetivos que já foram repetidos à exaustão. Poucas vezes a
vingança, a cobiça, a luta pela sobrevivência e o sonho da vida ideal foram apresentados
de maneira tão sublime e ao mesmo tempo tão agridoce em qualquer história já
contada. Mesmo em meio à violência e jorrar desnecessário de sangue, o filme
não passa nem perto de ser uma tragédia ou algo parecido. Apenas um sonho de
outra época, demasiadamente humano com todas as dores e prazeres intrínsecas ao
que insistimos em chamar de propósito.