Aberto por um duelo de armas onde o pai de Redmond Barry (Ryan O’Neal) acaba morto, o filme já dá as cartas do que há de vir nas próximas três horas. Sua narrativa se divide em duas partes: a ascensão (que conta como Redmond se tornou Barry Lyndon) e queda (em uma sucessão de infortúnios que vieram a ocorrer após seu casamento) de um jovem oportunista, que após perder o amor de sua vida, se vê obrigado a abandonar sua casa na Irlanda e integrar o exército na Guerra dos Sete Anos. Ao mesmo passo em que Redmond ascende socialmente e se estabiliza numa sociedade de nobres em função de um casamento, ele também faz constantes transições entre figuras paternas que o acolhem. Enquanto no papel de pai, falha drasticamente quando não consegue conquistar o afeto de Bullingdon, primogênito de sua esposa, e especialmente na tragédia que ocorre com Bryan, seu filho com Lady Lyndon.
São precisas como as pinceladas dos mestres renascentistas as rimas que Kubrick brilhantemente utiliza para resgatar elementos da escalada de Barry que logo culminarão na mais fatal infelicidade. Como é de conhecimento geral, o filme também ganhou alguma notoriedade por capturar tomadas interiores apenas com a luz das velas usadas pela cenografia. As conexões são feitas de forma abrupta, bem diretas até, mas que exigem também a atenção do espectador atento e operante durante todo o longa-metragem. Outra ferramenta usada de forma magistral para exclamar o contraste entre as duas partes da história é o zoom. Na primeira metade do filme, eles acontecem quase que majoritariamente em campo livre, saindo de planos fechados e médios para abertos, destacando as chances e oportunidades que o protagonista pode tirar de cada situação. Enquanto na parte final, a medida em que Barry é golpeado, eles também são usados, só que de forma mais amedrontadora, sempre endossando o declínio e a solidão.
A obscuridade de sutis detalhes é outro ponto contumaz entre os filmes de Kubrick, 2001 completa 50 anos em 2018, O Iluminado já tem quase 40 e são filmes ainda esmiuçados incessantemente pelo público, a procura de detalhes e pistas que possam ter sido deixadas pelo diretor – um notável perfeccionista. A mesma riqueza de detalhes está também presente em Barry Lyndon, que costuma ser celebrado “apenas” por seus belíssimos fotogramas que parecem pintados à mão por um artista maneirista.
Apresentando um olhar
diferenciado sobre o mundo e o homem, ainda é um retrato do século XVIII, o mais fiel que seja. Por
ser tão certeiro nos traços que faz da burguesia e pirâmide de poder daquela
época como um todo, ainda se sustenta principalmente como uma obra que tem em
seu cerne o estudo da condição humana perante a sedução, obtenção e uso do
poder – que fica claro no epílogo do filme que traz o seguinte letreiro:
“Foi no Reino de George III que os personagens apresentados viveram e brigaram; Bons ou maus, bonitos ou feios, ricos ou pobres – eles são todos iguais agora.”
Kubrick se apossa do romance de William Thackeray para explanar sua visão do homem e da aristocracia, enquanto a narração de Michael Hordern antecipa cada momento sem tirar o brilho da história. Sem alívios cômicos ou romances demasiadamente empáticos, Barry Lyndon é, entre outras coisas, um filme difícil justamente por tratar de um protagonista que embarca numa cruzada em busca da felicidade e não consegue de maneira alguma alcança-la. Cada pequena conquista de Redmond Barry lhe foge as mãos voltando como maldições. Mesmo que sua vida não tivera sido instável em qualquer momento, os contornos trágicos e pontuados pela morte passam a prossegui-lo: a morte de seu pai, do Capitão Grogan e de seu filho Bryan.
É reconfortante saber que com o
tempo o filme vem sendo agraciado e reconhecido como a grande obra que é. Como
um dos trabalhos mais ousados de um diretor que foi ao espaço quando a ficção
científica não era vista com bons olhos no cinema e tratou com a austeridade
necessária todos os defeitos e desonras do homem, mesmo sofrendo retaliações em
decorrência disso. Trata-se de uma obra de arte tão peculiar que mesmo aclamada
pela perfeição estética e pelo pioneirismo técnico, ainda precisou vencer o
tempo e críticas para se provar como vanguarda que, enquanto cinema, é uma peça
muito além dos devaneios caprichosos de seu maestro.