A propagação do olhar e da alma em 'A Dupla Vida de Véronique'

A propagação do olhar e da alma em 'A Dupla Vida de Véronique'
Uma obra maravilhosamente introspectiva, A Dupla Vida de Véronique é recorrentemente citado como uma obra artística de valor dos anos 90 e marco no que fomentaria o novo cinema europeu.

Os filmes e demais trabalhos de Krzysztof Kieslowski estão entre os mais cultuados nos cineclubes e prateleiras de coleção dos cinéfilos. O cineasta polonês que ostenta uma filmografia de (muito) mais altos que baixos, tem no pensamento íntimo o seu cerne. Por mais que filmes como Amador, Sorte Cega e A Liberdade é Azul sejam verdadeiras pinturas em movimento tamanha qualidade cinematográfica, a arte de Kieslowski aponta mesmo é para o mistérios da alma como indivíduos e coletivo. Seu documentário curta-metragem Gadajace Glowy (Talking Heads) talvez seja o melhor simulacro do que sua obra representa.

A Dupla Vida de Véronique narra a história de duas mulheres estranhamente conectadas. A primeira, Weronika, é uma soprano polonesa que tem problemas cardíacos e sonha entrar para um grande coral. Já Veronique, francesa de Paris, é uma professora de música que após um desconforto existencial embarca numa complicada relação amorosa com um titereiro. Ambas vividas pela imponente Irène Jacob (agraciada com o prêmio de Melhor Atriz em Cannes pelo trabalho, e profissional com quem Kieslowski trabalharia mais uma vez em A Fraternidade é Vermelha), que está assustadoramente expressiva no filme.

Aparentemente, as duas jovens sentem a presença uma da outra e os atos de uma geram consequências na vida da outra. Não é como o tradicional duplo/doppelganger, não há antagonismo, suas histórias convergem nesse entrelaçamento. À medida que o filme tece tons ensaísticos, também se apega à força das protagonistas para instigar o espectador a adentrar seu universo - e infinito - particular. E cada enquadramento, iluminação e movimento de câmera fotografados por Slawomir Idziak valorizam suas vidas, ambientes, sentimentos, posses e olhares.

É o primeiro filme francês do diretor, que acabara de filmar O Decálogo, sua série para TV baseada nos dez mandamentos. A partir desse relacionamento, a Trilogia das Cores seria concebida logo a seguir. A relação entre os países co-produtores do filme, a Polônia e a França, também faz parte da narrativa que alterna sua história entre Cracóvia e Paris, onde vivem as, chamemos assim de... Verônicas. As críticas sociais bem inseridas àqueles estados, já vistas em alguns episódios do Decálogo (particularmente acentuadas em Não Matarás, que também é fotografado por Idziak, e retomado em A Igualdade é Branca) aqui estão mais brandas, sob a forma de passeatas e movimentos urbanos que acontecem em plano de fundo.

A força com que A Dupla Vida de Véronique impacta abre discussões sobre paixão, relacionamentos, solidão, vida, morte, destino e acaso. É um filme que demanda mais que atenção, também requer disposição para sua completa apreciação. Suas revisões são cada vez mais prazerosas justamente por se apresentar como uma obra envolvente, que transforma a atenção em inspiração. Ao mesmo tempo em que é cativante pela história contada no roteiro, também funciona como um buraco negro que traga o espectador universo adentro. Um grande filme de um grande cineasta desperto para nossos maiores conflitos, subjetividades e para os mínimos detalhes da vida, estes, que fazem a jornada terrena tão bela.

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