O filme começa com uma câmera estática apontando para o assoalho de uma garagem enquanto é lavada. A medida que água e sabão escorrem pelo piso, são notados reflexos de aviões que voam pelo céu da Cidade do México. Lentamente, essa câmera se move para revelar Cleo, uma moça de raízes indígenas que trabalha como criada na residência de uma família classe média-alta, residindo num pequeno cômodo aos fundos da casa. A partir dali, se desenrola a sua história, que é a mesma de milhares de mulheres do terceiro mundo como numa espécie de manifesto pela igualdade, justiça e fim da exploração no trabalho.
Cleo trabalha diariamente servindo seus patrões. Acordando cedo, preparando as quatro crianças da casa para a escola e fazendo as obrigações de limpeza e cozinha da família. Todos os dias, só se retira para descansar quando as luzes da casa de seus ‘senhores’ estão apagadas. Entre sorrisos, abraços e beijos daqueles com quem ela partilha seu tempo e se dedica a cuidar, também é repreendida com exaltação e rancor por Dona Sofia, chefe da família que acabara de ser deixada pelo marido que foi viver com a amante.
Há muito coração em cada tomada do filme, muito disso é transmitido em função da fotografia preto e branco que, além de ambientar a época, acentua a concretude de sua história. As escolhas estéticas do diretor forçam, primeiramente, a imersão no universo daquela família. Não demora muito até que o espectador comece a se familiarizar com todos os cômodos da casa e com cada indivíduo que vive ali. Então, o longa faz crescer o desconforto no espectador ao expor Cleo a takes longos e lentos, sempre afastada da câmera que está em constante movimento para acompanhar seu permanente serviço.
Em sua primeira hora, Roma investe em desenvolver o universo em que se passa o filme para depois descarregar uma verdadeira tormenta de angústia. A partir do momento em que Cleo é abandonada por seu namorado no cinema e recebe a confirmação de que está grávida, ela se sente cada vez mais sufocada, sem deixar a subserviência. O mundo a sua volta a acompanha, as agonias de todos correm simultaneamente. Em uma obra como Roma, não se deve reduzir o filme a continuidade linear das situações, quando cada olhar, cada ordem da casa para Cleo que o autor coloca em cena e especialmente em cada vez que Cuarón funde a inocência dela com a das crianças - Toño, Paco, Sofi e Pepe – tem muita importância para assimilar toda a vida em ocorrência. Num momento especial, a empregada canta “Eu gostaria de ter tudo para colocar aos seus pés, mas nasci pobre e você nunca vai me amar” enquanto trabalha, antes de se fingir de morta e “gostar” ao brincar com Pepe.