'The Push' e o oportuno momento para se falar em 'conformidade social'

Repito que não! Não há uma força no mundo capaz de impor como devo me comportar, afinal, quem não anda de pijama na rua todos os dias?

Conformidade social, já ouviu falar nesse termo? Caso não, comece assistindo ao documentário ‘The Push’, de Derren Brown, na Netflix. Faça jus ao tema e me obedeça (sem questionar!). Para isso, vou te situar. Um ilusionista norte-americano faz um experimento social bastante ardiloso a fim de provar que um ser humano dotado de características socialmente inofensivas poderia cometer um assassinato através de pressões externas. Para isso, arma uma espécie de ‘pocket-show de Truman’, erguendo todo um aparato ficcional, de atores a profissionais de efeitos especiais, de figurantes a celebridades, para provar a sua tese através de uma farsa muito bem orquestrada. 

Cria um leilão beneficente envolvendo falsos-milionários e atrai uma pessoa comum com uma carreira emergente para colaborar na organização do evento em busca de prospecções e contatos relevantes. A primeira estratégia para submeter o sujeito a uma certa subserviência é não avisá-lo sobre o traje do evento. Estando ele vestido de forma diferente (inapropriada) em relação aos demais, seu subconsciente sugere uma redução de importância, é como se ele estivesse socialmente frágil diante de um código que atesta uma certa hierarquia estética. A partir daí, o homem-cobaia é inserido em diversas situações de adestramento e obediência que vão se firmando de maneira sutil, de modo que aos poucos ele começa a acatar ordens de quem ele não conhece e vai sendo engolido por um estado de resignação bastante perigoso.

O que mais me atravessa neste experimento é a sua premissa em si, que me leva para diversas situações inofensivas de conformidade social no campo extra-fílmico. Um pequeno exemplo diz respeito a tossir em um ambiente fechado com muitas pessoas, geralmente em salas de aula ou palestras. Repare que quando tossimos não é incomum uma segunda pessoa e depois uma terceira replicarem a tosse. Tossir é algo fisiológico, e o barulho da tosse é supostamente um incomodo. Quando existe um comando de voz dominando um determinado espaço, o praxe é a não-interrupção. Observe que por mais involuntário que seja o ato de tossir, ficamos intimidados em fazer barulho, e quando alguém não consegue blindar a tosse, é comum à ocorrência de uma repetição sequencial por parte de terceiros justificada pela quebra de silêncio iniciado pelo sujeito pioneiro.

Um ambiente também fértil para observar adequações coletivas é no trânsito. Fazer o teste da travessia enquanto estamos esperando a vez do pedestre ir de uma calçada à outra. Inicialmente estão todos parados devido ao sinal vermelho, mas se alguém com pressa quebra o padrão da espera e resolve atravessar no proibido, os demais involuntariamente repetem a ação, Outra situação interessante é quando trazemos racionalmente o argumento de conformidade durante uma discussão com alguém. O interlocutor emite opiniões com reforços pluralizados do tipo “está todo mundo falando”, “além de mim todos acham”, “não adianta discordar porque a maioria está do meu lado”. A pessoa sai do modo singular no embate angariando uma validação quantitativa para ocultar sua insegurança em esfera de qualidade.

Olhando a nível macro, existem os fenômenos de massa (tragédias causadas por um caos de ordenamento, linchamentos, etc). Em “A Psicologia das Massas”, Gustave Le Bon diz que em situações de multidão acontece uma espécie de esfacelamento das nossas vontades individuais e sofremos então uma regressão aos nossos instintos mais primitivos. Perdemos o valor cerebral de nossas ações e entramos num estado medular, tudo acontece em forma de sugestão coletiva, por contágio. É importante lembrar que a conformidade social é algo assimilado, e esse mecanismo é imposto pelo externo, sendo a subjetividade um agente passivo para comandos socialmente implantados. Diante de um produto que questiona a neutralidade, podemos inclusive pensar nessa mecânica em termos ideológicos: o apolítico é também um tipo de conformidade social, uma vez que ao se esquivar de uma posição, o sujeito está sendo condizente com uma ordem vigente.

O resultado do ‘doc/reality’ tem um lado bastante questionável no sentido ético e no ímpeto sensacionalista. É maquiavélico, uma vez que expõe pessoas sem dividas morais juridicamente concretas criando um antecedente dúbio: se para o todo (quem assiste e quem realiza), aquilo se trata de um crime ficcional, no caso dessas pessoas usadas como cobaias, é um ato verídico em sua aplicação mas com ausência de validade, caracterizando um ‘dolo culposo’ que pode constrange-los para sempre publicamente. Para provar sua hipótese, o realizador vai longe demais. Embora traga um material importante em termos de relevância temática, ainda temos um bom exemplo ficcional que dá conta de explorar o tema de uma maneira menos ultrajante, como no caso de ‘A Onda’ (2008). Ambos os filmes provam por A + B que o prêmio para quem é obediente, é ser mais obediente.

Confira o trailer aqui:


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