Nada disso interferiu no trabalho de Zvyagintsev e seu último trabalho, Loveless (2017), segue a mesma tendência em denunciar a inversão de valores que permeia o cotidiano dos habitantes de um país cujas instituições encontram-se colapsando em declínio moral. O interessante é que Zvyagintsev faz isso por meio de um enredo baseado principalmente nas eventualidades inerentes das relações humanas: um casal está em vias de divórcio e não sabe o que fazer com seu filho. Zhenya (Maryana Spivak), a esposa, deseja um recomeço para sua vida tanto quando seu marido, Boris (Aleksey Rozin), que será pai pela segunda vez com uma mulher mais jovem em breve. Alyosha (Matvey Novikov), o filho, representa um vínculo com um passado que querem deixar para trás, tendo em vista que mesmo sua concepção ocorreu de maneira menos afetuosa do que burocrática: ao perceber a gravidez, decidiram pelo casamento em vez do aborto.
É esse cenário corriqueiro que serve para destrinchar as mazelas de relações sociais que aparecem cada vez mais interiormente desertificadas e vazias de substância, ambas características associadas às tendências individualistas do mundo pós-moderno - que faz com que o compromisso social e moral seja liquidado em prol do estímulo aos prazeres imediatos, da felicidade intimista e material, do culto do eu. Isso pode ser verificado ao constatar a renúncia do casal ao filho em benefício de sua futura felicidade; da obsessão de Zhenya por redes sociais; do ambiente de trabalho extremamente rígido, conservador e ortodoxo de Boris; da fragilidade de quase todos os relacionamentos entre os personagens – que são frios assim como o inverno repleto de árvores secas retratado na fotografia crua e límpida.
A despeito do desaparecimento, os protagonistas não mudam suas atitudes em relação ao outro em função do evento, mas ao contrário, as desavenças parecem intensificar-se ao ponto de serem incapazes de viajar no mesmo carro, ainda que a favor de um motivo maior. Ainda assim, tratam o sumiço de Alyosha menos com afeto pela incerteza do destino de um ente querido do que como obrigação perante a si mesmos e aos outros, afinal, constitui episódio conveniente frente às conjunturas do divórcio - nenhum dos dois se dispôs a manter a guarda do filho, de qualquer forma.
Com título de "Sem Amor" (inicialmente Desamor) no Brasil, Loveless não trata sobre o desaparecimento de uma criança, mas tece, de forma cirúrgica, o retrato de uma sociedade hedonista cuja falta de referências e incapacidade de reflexão é sintomática.
_
Loveless conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, onde também foi indicado à Palma de Ouro, e recebeu indicações ao Globo de Ouro e Oscar por Filme Estrangeiro.
_
Loveless conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, onde também foi indicado à Palma de Ouro, e recebeu indicações ao Globo de Ouro e Oscar por Filme Estrangeiro.