Kaufman & Carrey: a ciência do comportamento

O Mundo de Andy (Man on the Moon), lançado em 1999 e dirigido por Milos Forman - vencedor do Oscar pelas obras Um Estranho no Ninho e Amadeus - traça a trajetória da controversa figura de Andy Geoffrey Kaufman, ator, cantor e dançarino estadunidense que ganhou destaque na televisão americana na década de 1970 e 1980 por seu papel na série Taxi e suas performances humorísticas de natureza peculiar. Em um quase estudo antropológico dotado de qualidades capazes de comunicar ao público quem foi Kaufman e qual sua importância – nesse ponto, créditos ao roteiro construído por Scott Alexander e Larry Karaszewki - a película mostra, de maneira dinâmica, a ascensão do protagonista em meio aos embates que permeiam a questão da natureza e limites do humor.

Engraçada e instigante, a obra apresenta um ritmo constante e consideravelmente lento, ainda que a narrativa dê saltos temporais significativos e construa a noção de que a ascensão de Kaufman ocorreu de forma incrivelmente rápida. A despeito de o roteiro assumir um tom fidedigno na construção da imagem de Andy, o filme segue uma estrutura padrão, mostrando o personagem em sua ascensão, ápice e, por fim, queda. É importante também ressaltar a fidelidade ao retratar cenas icônicas do humorista – os episódios das lutas romanas e as aparições em programas televisivos, por exemplo – o que pode ser verificado com uma simples busca no Youtube.

As motivações de Andy também são um mistério não solucionado – nem por ele próprio e quiçá pelo filme. Em um dos diálogos, seu empresário, George Shapiro (interpretado por Danny DeVito), lhe pergunta qual o objetivo de suas exibições: fazer rir o público ou a si mesmo? É interessante notar a ciência do comportamento por trás de seus atos. O episódio em que lê todo o romance de F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby, em uma de suas apresentações, evidencia uma quebra de expectativa por parte do público que tornou-se sintomática no mundo de Andy, com o perdão do trocadilho. Talvez fosse exatamente isso que fazia lotar suas sessões e garantia boa audiência nos programas de televisão em que participava, já que suas exibições, excêntricas e controversas, em nada assemelhavam-se com os shows humorísticos convencionais, fazendo com que muitos o odiassem e igual quantidade o chamasse de gênio.

O ponto forte, porém, concentra-se na atuação de Jim Carrey. Certa vez, James Randi, um ilusionista canadense que passou toda a vida desmascarando charlatães e fraudes científicas, conspirou com o ator José Luís Alvarez para criar um embuste e testar a ingenuidade da mídia. A falcatrua consistia em vender uma imagem de Alvarez como receptor de uma alma muito antiga denominada Carlos, cujos ensinamentos acerca do mundo constituíam objeto de grande valor. Em conluio com setores da imprensa australiana, diversos comunicados foram enviados para os veículos de comunicação que rapidamente interessaram-se na história e convidaram Alvarez/Carlos para talk shows e programas de auditório. Dias depois, no ápice de sua ascensão e gozando da confiança da mídia e público, Randi e sua equipe revelaram que tudo aquilo não passava de uma brincadeira, confundindo os telespectadores e todo o establishment midiático. Essa e outras histórias de James Randi são relatadas no documentário cinebiográfico An Honest Liar (Tyler Measom e Justin Weinstein, 2014).

É possível que a reação das pessoas ao ver Alvarez entrando em uma espécie de transe e dando lugar à entidade Carlos assemelhe-se aos sentimentos de quem se deparar com a interpretação de Carrey. Mesmo o ator – no documentário Jim & Andy: The Great Beyond (Chris Smith, 2017) - admite que em determinado momento cedeu o controle de seu corpo para que Kaufman atuasse em seu próprio filme. O documentário também mostra, de maneira geral, quão problemática foi a interação de Jim com o resto da equipe, correndo boatos no set de que alguns iam processar a produção por estresse mental. Carrey diz, em entrevista, que o verdadeiro filme estava acontecendo nos bastidores, onde o ator, em seu processo de incorporação de Andy, agia exatamente como o outro supostamente agiria – batendo o carro propositalmente enquanto interpretava Tony Clifton, discutindo com o verdadeiro pai de Kaufman e com o lutador profissional Terry Lawler e recusando-se sair do papel mesmo quando não estavam filmando. É interessante notar a forma como Jim se desligou do personagem – a personalidade original emergiu à luz no melhor estilo Fragmentado (M. Night Shyamalan, 2017) – fazendo com que o ator, confuso, assumisse o controle do próprio corpo após as sequências de declínio e morte de Andy Kaufman devido ao câncer.

Mas quanto disso tudo é autêntico? Até onde é possível acreditar que Carrey e a produção não fizeram – ao menos no documentário – uma brincadeira no melhor estilo ‘kaufmaniano’, fazendo com que o telespectador confie em toda a atmosfera criada? Há quem acredite, por exemplo, que o ator está vivo até os dias atuais e que sua morte não passou de uma encenação como tantas outras. Em certo momento de suas entrevistas, Jim diz sentir certo orgulho de seu trabalho e que Andy, onde quer que esteja, o aprovaria. Tenho certeza que sim. 

O Mundo de Andy não é uma cinebiografia comum. É difícil não ir atrás de informações acerca de Kaufman após ver o filme, visto que a fama do comediante no Brasil é escassa. Divertido e extremamente interessante – mesmo do ponto de vista psicológico – aparece como um trabalho valioso e que não gozou merecido reconhecimento – especialmente nos prêmios da academia em que foi completamente ignorado.

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