Entre o encanto e a melancolia de 'Encontros e Desencontros', por Sofia Coppola

Sofia Coppola tem um dom artístico inegável: extrai de maneira singular a graça da tristeza e exprime isso para a fotografia em movimento numa tela, executa isso com maestria. Toda sua obra, que em seus filmes abordam diferentes fases da vida – especialmente da feminina - esbanjando desolação, pelos fardos e delícias nas vidas das personagens traçadas por sua lente. Samba da Benção, a canção em que Vinícius de Morais e Baden Powell escreveram “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, não tem a menor relação com o título que Lost in Translation, segundo filme da cineasta americana, recebeu no Brasil. Mas assim, solta, é perfeitamente relacionável com Encontros e Desencontros.

No filme, Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela de cinema em decadência que está em Tóquio para a gravação de um comercial de uísque, enquanto Charlotte (Scarlett Johansson), formada em filosofia, acompanha o marido, com quem é casada há dois anos e veio à cidade para fotografar uma banda local. Eles se conhecem no hotel, onde estão enclausurados graças a seus compromissos. Se Bob não vê a hora de voltar para casa enquanto sua equipe acumula compromissos em sua agenda, Charlotte parece desesperada para aproveitar a estadia na luminosa cidade, mas é impossibilitada pelo marido workaholic que a vive deixando de lado durante todo o filme. Há uma mútua empatia entre os protagonistas, que se entendem pelos problemas que compartilham, pelos sonhos que são impossibilitados de realizar e pela dependência que tem de outras pessoas.

Por mais que os dois se divirtam, a angústia e desconforto que ambos sentem paira no ar de cada ambiente da efervescente Tóquio. Há um contraste incessante entre a comédia inerente à persona que Bill Murray encarna com a tristeza que também lhe é característica, seu personagem é quem dá o tom para o filme. Por mais que Charlotte tome iniciativa em algumas ações, como o primeiro contato, por exemplo, é Harris quem toma conta de cada situação. Claro, isso não diminui a importância de Charlotte para o filme, são personagens simbióticos, pessoas completamente estranhas perdidas à vagar pela vida, e à deriva das relações superficiais. Cheios de incertezas, pessoais e profissionais; Com dificuldades de encarar passado, presente e futuro.

Um detalhe importante da obra é a expansão da solidão coletiva, com a qual Sofia já havia lidado tão bem em 'As Virgens Suicidas'. Charlotte é jovem e recém formada em filosofia, Bob já tem vinte e cinco anos só de casamento; Por mais que a maioria das pessoas não tenham a possibilidade de seguir carreira assentada no intelecto e, muito menos, conhecer o Japão - uma alegoria para um local estranho e desconexo (a principal nota disso são os personagens japoneses, traçados de certa forma até agressiva – além dos estereótipos). Bob e Charlotte, nos momentos em que estão juntos, são contagiados um pelo outro. Ele, pela jovialidade e desinibição dela, enquanto ela, por sua autenticidade e firmeza.

Almas desconexas da sociedade, que se reconhecem como gêmeas neste encontro. Mesmo com uma linguagem própria, distinta de filmes semelhantes e da própria filmografia da diretora, Encontros e Desencontros traz muitos traços da assinatura de Sofia Coppola em seu ritmo e estética, uma obra essencialmente bela e extremamente difícil de descrever com palavras. Há também a aproximação do conceito de felicidade volátil traçado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, de que na vida a verdadeira felicidade só pode ser experimentada em momentos pontuais.

Por um curto período, mesmo enquanto compartilhavam suas frustrações, o casal protagonista vivenciava uma conexão rara e legítima que culminaria no beijo de despedida, seguido pelo sussurro de Bob ao pé do ouvido de Charlotte, algo íntimo e terno próprio da diretora Sofia Coppola. Eles desfrutaram, um ao lado do outro, a sensação de que são pessoas que fazem da vida algo tão valioso. São pessoas que nos servem como alívio, refúgio e depósito de esperanças – então, é normal que pessoas se separem ao decorrer do percurso, mas que o que verdadeiramente importa são os vínculos que temos agora. Porque, como também cantou Vinícius: “é melhor ser alegre que ser triste”.


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