'Verão 1993' e a desordem emocional perante a perda

Frida é uma menina de seis anos de idade que acaba de perder sua mãe devido à AIDS – assim como seu pai anteriormente – e é adotada pela família de seus tios, que a recebem de braços abertos em uma agradável casa no campo. Para uma menina de seis anos, constitui evento de grande importância. Carla Simón sabe disso e, em seu primeiro longa-metragem, consegue entregar um trabalho primoroso, explorando as diversas nuances emocionais que permeiam a questão em um equilíbrio técnico de dar inveja a diretores calejados.

Premiado em diversos festivais – Berlim, Buenos Aires, Istambul etc - e escolhido como representante espanhol no Oscar de Filme Estrangeiro, Verão 1993 é um filme escrito e dirigido por Carla Simón, responsável pelos curtas-metragens Lipstick e Las Pequeñas Cosas, além do documentário Born Positive. Relatando sua infância, Simón ambienta o filme na Catalunha de 1993 – nesse ponto, créditos ao diretor de fotografia Santiago Racaj, que consegue trazer uma atmosfera agradável e tranquila – e conta com a atuação impecável das atrizes mirins Laia Artigas e Paula Robles, nomes que devem ascender em anos vindouros.


Delicada e ao mesmo tempo mordaz, a forma com que Frida lida com seus sentimentos – nebulosos e confusos – estabelece atitude importante na trama. Como criança, não compreende adequadamente o significado de eventos como a morte dos pais e início de vida em outro lugar com nova família – evento que altera significativamente a dinâmica do cotidiano de todos. Isso fica explícito na atuação de Laia Artigas, que não emprega excessos e concomitantemente transmite o espanto e desordem característicos da conjuntura. 

Não obstante ser tão nova, a personagem de Artigas é consideravelmente complexa. Apresenta uma clara dicotomia entre o infantil, característica circunstancial de sua existência – como quando recusa-se a amarrar os sapatos e faz birra - e o pesar provocado pela sensação de não pertencimento, mesclada aos desordenados sentimentos de luto – como quando decide-se independente e foge de casa. Mérito de Simón por ter sido capaz de conduzir a trama e atuação de Laia por percursos tão convincentes.

É interessante notar que Frida, mesmo que estruturalmente bem assistida – seus tios são boas pessoas e dispõem de condição financeira estável – expõe notável inconstância sentimental. O psicólogo americano Abraham Maslow tornou-se conhecido pela teoria da Hierarquia de Necessidades, em que apresenta, em níveis, uma organização básica das carências humanas. A pirâmide, em seu nível mais baixo, mostra necessidades fisiológicas e, ao se aproximar do topo, aparecem necessidades emocionais como realização pessoal e estima. No contexto de Frida, faz total sentido. O estabelecimento de vínculos com uma nova família não concebe tarefa fácil, ao passo que a saudade dos pais é pungente – em uma das cenas, interagindo com sua prima, Anna, Frida imita sua mãe, fumando e reproduzindo seus trejeitos. Talvez seja uma forma de lidar com a perda. 

A maneira com que o filme é conduzido a partir da perspectiva da protagonista é fascinante: o roteiro, a despeito de ser bem construído, apenas fornece informações necessárias para a compreensão do telespectador atento – e somente quando Frida escuta-as dos adultos conversando (e ignorando sua presença). Em muitas tomadas, por exemplo, a câmera se posiciona na altura da personagem, provocando um impacto imersivo em quem assiste. 

A cena em que Frida conversa com sua tia Marga sobre sua mãe e as eventualidades da morte é tocante, mesmo tecnicamente. Extremamente fluída e espontânea, causa em quem assiste a impressão de que as atrizes esqueceram-se que estão atuando. O filme segue num crescente até a cena final, carregada de emoção e significado para a obra. É com certeza seu ápice. Apesar da dificuldade em encontrar a audiência certa, Verão 1993 é bonito e profundamente pessoal. Simón soube como tratar de temas problemáticos com sutileza e requinte, proporcionando um trabalho notável e forte concorrente as premiações da academia.

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