Filhos da Esperança - O que do passado nos espera no futuro?

O peso no olhar melancólico de Theo Faron, um pai que perde seu filho em uma pandemia de gripe e vê sua mulher se afastar, ao passo em que o mundo inteiro sente a morte da pessoa mais jovem do mundo em um momento onde a fertilidade não existe e a humanidade caminha para o seu fim. É isso que “Children of Men” (ou “Filhos da Esperança” no Brasil) traz aos espectadores. Dirigido por Alfonso Cuarón (“Gravidade” e “E Sua Mãe Também”), o thriller é uma ficção científica distópica, que nos traz diversas formas de releituras da humanidade e nos impacta por seu enredo marcado pela desvalorização da vida humana e também pelo seu contrário, o valor que no meio do caos as pessoas podem ter.

Toda a dor sentida pela população e a indiferença de Theo sobre a vida colocam um peso no espectador. A partir disso cria-se uma ligação com o protagonista, um sentimento de pena e vazio. Soma-se a isto o cenário caótico, que relembra muitos outros períodos históricos e trouxe à tona uma reflexão de um possível futuro que insistia em repetir falhas que perpassam por toda a história da humanidade.

Pessoas aprisionadas em gaiolas como animais, a sujeira e a desordem provida por um Estado autoritário e repressivo, os maus tratos aos imigrantes e minorias, tudo que colabora para um cenário caótico de crise. Ao longo de toda trama sentimos o legado das guerras mundiais, de fascismos, fundamentalismos e fanatismos e incertezas vividas pela humanidade. A necessidade de se criar uma resistência, de se rebelar e passar por cima de qualquer um, custe o que custar, ao passo em que o Estado faz exatamente o mesmo. Dois lados de uma mesma moeda que só estão separados por questões mínimas – a questão do poder.

E os Fishes deixam tudo isso claro, ao assassinarem sua líder, Julian Taylor, ex-mulher de Theo que o envolveu em toda a trama. Ela buscava defender o que era visto pela população mundial como algo impossível, um milagre: a gravidez de Kee, uma imigrante africana ilegalmente na Inglaterra. Na obra original de P. D. James essa personagem não existe, sendo criada pelo diretor que justifica isso pelo fato da humanidade ter nascido na África e completa: “Nós estamos colocando o futuro da humanidade nas mãos dos desprovidos e criando uma nova humanidade a partir disso". Cuarón buscou a partir da personagem desenvolvida para o filme dar o devido valor ao povo africano e aos outros tantos marginalizados pelo ocidente.

A morte de Julian, a troca de líder dos Fishes acarretada por conta de seu assassínio e o controle da gestação de Kee seriam os meios utilizados pelos rebeldes para apoiar uma revolução autoritária e tomarem o poder. Eles representam a outra ponta dos extremos de um cenário político caótico que atropelaria a todos sem medir consequências.

Mas como em toda distopia, existe a esperança. E ela se vincula a uma gravidez no meio de todo o desespero da infertilidade de causas desconhecidas, levando a possibilidade de uma salvação, por meio do navio Tomorrow, meio de acesso ao Projeto Humano, que possivelmente ficava nos Açores e era tido por muitos como uma lenda. Havia ali a chance de um novo futuro para humanidade. Mas os Fishes não deixariam Theo e Kee chegarem facilmente ao seu objetivo final, em uma busca implacável que se arrasta até os últimos instantes do filme, onde o exército britânico os dizima – eliminando qualquer coisa viva em seu caminho, mostrando todo o seu poderio diante de uma população de imigrantes que vivia sob condições precárias em um assentamento governamental que estava sofrendo a invasão dos rebeldes.

Em diversas cenas o espectador pode sentir a sensação de estar em um campo de concentração nazista. A bestialização do imigrante e o descaso com a vida são traços marcados de sangue na História e revividos até hoje. Uma ferida que insiste em não cicatrizar.

Ao final do filme, ficam pairando em nossas cabeças diversas perguntas. Será que existe realmente um bom futuro como a ciência por vezes nos força a crer? Até que ponto as pessoas serão tratadas como qualquer coisa, menos como seres humanos? E o mais importante: o que fazemos para que a realidade exposta na ficção não se torne verdade? O filme nos instiga a fazer um prognóstico do que poderá ser de nós daqui há 20, 30 anos. E de tantos questionamentos fazemos um questionamento maior de nosso estilo de vida individual e materialista, onde coisas valem mais que pessoas e o ‘eu’ passa a ser o centro de tudo, ignorando o fato de existirem “apenas” cerca de 7 bilhões de pessoas no mundo.

“Children of Men” nos comove sem se perder nas cenas, ao passo que a trama se conecta com nossa realidade e instiga o pensamento crítico do espectador, que certamente se assusta ao deparar-se com um prognóstico onde a humanidade pode se apagar aos poucos, fadada ao esquecimento. É um filme que te deixa paralisado por um bom tempo, olhando para as linhas dos créditos incrédulo e pasmo.

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