A divulgação das imagens de bastidores e do primeiro trailer de Black Mass, que recebeu no Brasil o título de Aliança do Crime, levantou algumas questões sobre a carreira de Johnny Depp. Com um personagem protagonista que aparentava fugir da excentricidade de seus mais recentes trabalhos - apesar de sua imagem de mafioso ser marcada aqui por forte transformação, tornando-o quase irreconhecível -, Black Mass vinha como uma promessa de extrair do ator algo além das caracterizações com as quais ele obteve merecido êxito, mas que o levaram a uma duradoura zona de conforto, como que no piloto automático.
Muito se diz de Depp como um ator limitado, encobrindo tais limitações em personagens excêntricos e caricatos, que funcionam como diferentes expressões de uma mesma persona. Não concordo com tudo, mas entendo. Este texto não pretende ser uma ode ou desmistificação do ator, e sim um breve estudo de sua figura. Para isso, busquei entender, antes de qualquer coisa, as bases de sua relação com o público, que de um lado o coloca em um pedestal inalcançável e de outro o renega. Não é difícil apreender estas reações. Depp é um ator carismático, uma figura curiosa dentro e fora de tela. É difícil ser indiferente.
É válido trazer à lembrança do depoimento de Samuel L. Jackson no documentário 'Crítico', do pernambucano Kleber Mendonça Filho. O consagrado ator comenta sobre como muitas vezes eles são penalizados pela crítica por erros que são, na verdade, do diretor. Lhes é solicitado a execução de um papel que nem sempre permite flexibilidade. Isso acontece muito com atores cômicos, que são encomendados em projetos para repetirem a 'fórmula de sucesso' de outros de seus filmes.
A extensa carreira de Depp no cinema lhe permitiu visibilidade com filmes que logo se tornaram populares, em especial nas parcerias com Tim Burton. No mesmo ano em que da vida ao bad boy de Cry Baby, desponta em Edward Mãos de Tesoura. Em Benny & Joon, Depp assume grande responsabilidade, homenageando os mestres do cinema mudo. Seu personagem Sam imita os trejeitos de Keaton, Chaplin e Lloyd. Nos trabalhos seguintes, ainda nos anos 90, o ator participa de uma considerável variedade de filmes, entre eles Donnie Brasco, ao lado de Al Pacino, e Medo e Delírio, de Terry Gilliam.
Vale destacar esta fase por ser pouco lembrada quando se fala em Johnny Depp hoje, e por ser onde estão seus personagens mais, digamos, normais. Quando surge então Piratas do Caribe, sua alcunha de astro é definitivamente consolida, e o excêntrico Jack Sparrow se torna mundialmente conhecido. Inicialmente, o estúdio estava receoso com a proposta de Depp para o personagem, mas este lhe renderia sua primeira (de 3) indicação ao Oscar. (As chances de uma quarta, por Black Mass, são grandes). Era natural e visível que ele ficaria marcado. Os personagens ímpares que viriam em seguida são tanto resultado de seu êxito, como articulações do star system da indústria cinematográfica. Depp se tornou sinônimo de sucesso de bilheteria.
É válido trazer à lembrança do depoimento de Samuel L. Jackson no documentário 'Crítico', do pernambucano Kleber Mendonça Filho. O consagrado ator comenta sobre como muitas vezes eles são penalizados pela crítica por erros que são, na verdade, do diretor. Lhes é solicitado a execução de um papel que nem sempre permite flexibilidade. Isso acontece muito com atores cômicos, que são encomendados em projetos para repetirem a 'fórmula de sucesso' de outros de seus filmes.
Apesar das limitações, não faltou muito para Black Mass chegar perto de ser um filmaço. Ao contrário do que li e ouvi, ele não se apoia na figura do mafioso, interpretado pelo ator com sutilezas de quem vive a espreita. Contido, por vezes até demais, permite abrir espaço para o grande elenco que tem, entre outros, Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon, Julianne Nicholson, Corey Stoll e Juno Temple.
Por Mateus Guimarães Borges
Black Mass foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e estrou em circuito comercial nesta quinta, 12/11.