A Vida Invisível (2019) - Melodrama à brasileira


O diretor, roteirista e artista visual cearense Karim Aïnouz é um dos cineastas mais prolíficos do cinema brasileiro atual, reconhecido e premiado internacionalmente por filmes como Madame Satã (2002), O Céu de Suely (2006) e Praia do Futuro (2014). Seu novo filme, A Vida Invisível (2019) é uma adaptação do romance ''A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", escrito por Martha Batalha. O filme ganhou o prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes de 2019, e foi o escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar.

No Rio de Janeiro da década de 1940,  Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler) vivem sob um rígido regime patriarcal que as coloca em caminhos distintos: Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor com Antenor (Gregório Duvivier).

Após um prólogo com ares oníricos, que funciona como um presságio e sutilmente sintetiza o que sucederá os créditos iniciais, A Vida Invisível rapidamente se reconfigura em torno de uma de suas características mais evidentes - o seu formato de melodrama. É interessante observar a disposição do filme ao risco de se inserir tão intensamente dentro das "regras" de um gênero cujos elementos narrativos e estéticos são tão identificáveis. O que poderia resultar em um filme absolutamente previsível oportuniza que Karim Aïnouz conjure um "melodrama perfeito", ao mesmo tempo em que revisita e diversos elementos que compõem a sua assinatura autoral, como seu interesse por personagens complexos e angustiados, diálogos crus e uma paleta de cores saturada e com alto contraste.

O filme cria uma relação muito interessante com seus espectadores ao direcionar um olhar contemporâneo para o passado sem descaracterizá-lo ou reinterpretá-lo, mas construindo um recorte discursivo guiado por sensibilidades e interesses presentes no imaginário atual, como a representação da mulher e uma visão crítica do machismo. Não restrito apenas à questões de costumes, o interesse pela reconstituição de época é palpável e reminiscente da abordagem estética utilizada em Madame Satã e aqui construída a partir do trabalho sensível e sofisticado da direção de fotografia de Hélène Louvart e da direção de arte e design de produção de Rodrigo Martirena, bastante interessados em dar textura às vivências e ambientes por onde se desencontram as irmãs.

Essenciais para dar forma e potência às histórias invisíveis da dupla de protagonistas, as atrizes Carol Duarte e Julia Stockler adotam em suas interpretações um tom impecável, em perfeita sintonia tanto com a proposta do gênero quanto com o estilo da direção; criando personagens opostos e complementares cuja sintonia se percebe mesmo após serem separadas pela trama. Grandiosa, a presença de Fernanda Montenegro é exemplar em relação à excelência e o equilíbrio da obra, que consegue evitar as armadilhas do sentimentalismo exagerado sem perder sua potência emocional.

A Vida Invisível é um caso raro de filme que consegue dois grandes feitos - se apresentar como uma síntese inequívoca da estética e estilo do seu diretor, ao mesmo tempo em que  compreende e explora o gênero muito particular no qual se insere de maneira absolutamente precisa. O resultado inevitavelmente eleva o filme ao patamar de obras que se cristalizam como referenciais de qualidade que transcende as especificidades de um "cinema nacional" para se afirmar como uma obra de relevância e alcance universal.

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