Midsommar - O Mal Não Espera a Noite (2019)

O horror vive uma de suas melhores épocas no cinema, graças à produções que fogem de uma série de convenções estabelecidas pelos “ciclos” mais famosos e influentes do gênero, como os giallo setentistas, os slashers dos anos 80 e os torture porn franceses da década passada. Talvez mais do que qualquer outro gênero ou rótulo cinematográfico, o horror se tornou refém de uma série de clichês estéticos e narrativos, e é neste âmbito que, como uma reação natural à saturação destes códigos, se situa o trabalho de cineastas como Robert Eggers, diretor de A Bruxa (2015) e Ari Aster, alçado à fama por seu primeiro longa-metragem, Hereditário (2017).

Após o sucesso de sua estreia, Aster se permitiu voos mais altos, como dispensar a clássica ambientação predominantemente noturna dos filmes do gênero para experimentar o horror à luz do dia. O resultado está em Midsommar - O Mal não espera a Noite (2019), no qual Dani (Florence Pugh), após vivenciar uma tragédia pessoal vai com o namorado Christian (Jack Reynor) e um grupo de amigos até uma remota vila na Suécia. O que começa como férias despreocupadas de verão toma um rumo sinistro quando os moradores do vilarejo convidam o grupo a participar de rituais pagãos.

Desde seu princípio, Midsommar se mostra como uma continuidade bastante natural da assinatura visual de Aster, cujo evidente rigor estético desenvolve uma interessante dinâmica de antecipação e administração de expectativas em relação à sucessão de elementos e situações apresentadas. A tensão, sem o artíficio da oclusão pela escuridão, se dá justamente pela relação com o que está extremamente visível, e ainda assim causa desconforto sem razão aparente. Tão fugaz quanto a noite no vilarejo de Harga, o mal em Midsommar se dá por vislumbres - ora travestidos de rituais macabros relativizados como mera expressão cultural, ora presente em interações aparentemente inofensivas com um subtexto manipulativo perverso.

Não é a toa que Aster é tão fascinado com a ideia de “representação” - a mímese do que seria o humano, o natural, é a porta de entrada para o mal na sua filmografia. Seus personagens frequentemente reproduzem ou projetam a artificilidade como sublimação, agindo como “bonecos”, corpos passivos de manipulação ou receptáculos de singificado que possuem uma relação de ironia dramática com a inércia, seja ela física ou psicológica.

Mesmo quando os ânimos dos personagens estão à flor da pele, o filme mantém um inabalável senso de ritmo, que transita entre o banal e o horror de maneira às vezes imperceptível. O chocante não se dá com o repentino, mas com o extendido. Aster pune o espectador por “ânsiar” pelo mal e a violência típicos de filmes de horror, explorando os momentos grotescos com uma câmera fria e tão inexoravelmente explícita que interrompe o transe provocado pelo ritmo lento e onírico da montagem. Há também uma eficiente correspondência sensorial entre os personagens e a câmera, que frequentemente transpõe as interioridades e pontos de vista para o plano objetivo do que se vê em quadro.

Entregue e intensa, Florence Pugh é o grande destaque do filme, e constroi sua personagem como alguém cuja sensibilidade a torna mais consciente do horror que a cerca, e por isso mesmo, é mais vulnerável a ele, sendo justamente o seu arco de emancipação sentimental, a chave para entender o discurso do filme. O caminho até o desfecho é relativamente previsível em sua estrutura, mas se torna interessante na medida em que culmina em uma experiência catártica dotada de ambiguidade e levanta questionamentos sobre a condição da personagem e seu estado de espírito frente aos acontecimentos, criando uma conclusão subjetiva que mostra o enorme potencial do horror como catarse e como cinema.

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