A morte de dona Carmelita, aos 94 anos, é o estopim para uma série de acontecimentos estranhos em Bacurau, um pequeno povoado do sertão brasileiro: os moradores descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa, drones passeiam pelos céus e misteriosos estrangeiros chegam à cidade. Porém, quando cadáveres começam a aparecer, a comunidade, liderada por Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Teresa (Bárbara Colen) e Lunga (Silvero Pereira) chega à conclusão de que estão sendo atacados e se une para identificar e se defender do misterioso inimigo.
Ainda que estabeleça uma evidente ligação temática com os filmes anteriores do diretor, marcados por seus discursos carregados e uma precisão estética e narrativa, Bacurau se diferencia por sua grandiloquente ambição de misturar faroeste e ficção científica, gêneros típicamente percebidos como “estrangeiros” por nosso cinema, com mitologias locais e uma forte crítica política que aproximam o filme de referenciais tipicamente brasileiros. O resultado é uma distopia que, nas suas próprias palavras, está "apenas no começo", mas apresenta uma sintonia inquestionável com o imaginário social brasileiro atual, algo esperado, mas sempre bem-vindo como marca autoral da filmografia de Kleber Mendonça Filho.
O drama intimista sugerido até então é deixado de lado em favor de uma sátira pesada, marcada por uma violência exagerada, porém catártica, e alguns momentos cômicos quase bobos; aspectos estes que por vezes dominam a narrativa do filme em seu detrimento, especialmente quando esta tenta dar conta da narrativa dualista que pouco aprofunda o conflito apresentado para além de metáforas óbvias e um tanto reducionistas.
Com Gal Costa cantando no espaço e seu antagonista (Udo Kier) sendo caçado por um fantasma, Bacurau, é um filme maior do que qualquer defeito de ordem subjetiva, pois é um filme, acima de tudo, necessário. E este rótulo, poucos filmes podem verdadeiramente clamar para si. Inegavelmente irregular, mas divertido e contundente na sua "tese" contra o colonialismo ocidental, é uma obra que que deve abrir portas para que outros cineastas e realizadores aprendam com seus equívocos e se inspirem com originalidade e inegável bravura.