Profissional de efeitos especiais, a paulista Tatiane Leite trabalha há 6 anos em Los Angeles, é ativa no mercado de trabalho e já participou da equipe técnica de grandes produções, como “Missão Impossível: Efeito Fallout” e filmes do "Universo Cinematográfico da Marvel". Nós da 365 conversamos com ela sobre sua trajetória, mercado de trabalho e adversidades do ofício. Tati dá dicas para quem está começando, comenta sobre a indústria brasileira e revela ser positiva sobre o futuro da área, mas destaca a persistente desigualdade e conta que já chegou a trabalhar em grandes projetos onde era a única mulher do grupo técnico.
Tatiane sempre foi amante de efeitos gráficos. Se formou em Engenharia da Computação pela Unicamp e, concomitante ao curso, fez iniciação científica onde o objetivo era criar uma animação 3D para dispositivos móveis. Mostrando-se fiel ao campo, seu mestrado foi desenvolver atratividade de rostos em imagem. Tati criou um sistema para deixar os rostos mais atraentes, e foi durante essa época que ela participou do SIGGRAPH, em Los Angeles, uma das maiores conferências de computação gráfica do mundo. Foi a partir daí que Tati viu ser possível unir dois mundos que tanto amava: cinema e tecnologia.
Logo quando terminou o mestrado, a artista se mudou para os Estados Unidos e foi estudar na UCLA (Universidade da Califórnia) a parte de entretenimento que faltava para que ela conseguisse ingressar na área. A experiência também a ajudou entender o mercado e funcionamento da indústria no exterior e, principalmente, quais os papéis de cada profissional e como se encaixar nesse novo cenário muito distante da realidade brasileira. Seu trabalho mais recente chega aos cinemas ainda esse ano - o tão aguardado live action O Rei Leão.
Pergunta: Como propriamente
funciona seu trabalho? Acredito que os efeitos nos filmes chamam a atenção de
muita gente, mas poucos sabem como é o processo para chegar naquele resultado.
Resposta: Meu
trabalho varia de projeto para projeto. Pode ser 3D, composição
digital, embelezamento, envelhecimento ou rejuvenescimento. Têm projetos que o
efeito final da cena só acontece quando finalizo o trabalho, e têm projetos que
meu trabalho vai para as mãos de outros artistas. Por exemplo, numa cena 3D
temos um artista que modela os objetos/personagens, depois esse trabalho vai
para outro artista que coloca os esqueletos, e então segue para outro que vai
animar esses modelos ou esqueletos, um outro que irá iluminar a cena,
renderizar... são muitas camadas de processo.
Pergunta: Como
ingressou no mercado de trabalho? Qual foi seu primeiro grande projeto?
Resposta: No
começo eu fazia muito freelance para cineastas independentes, então por serem
filmes independentes eu trabalhava direto no projeto, conversava com o diretor
e via qual que era a ideia para cada cena, cada shot (plano), e com
isso fui construindo portfólio e apliquei para entrar nos estúdios - comecei no Lola VFX. Meu primeiro filme foi da Marvel, O Homem Formiga e a
Vespa, que saiu ano passado, e para mim foi bem especial porque eu já era uma
grande fã. Agora lançou outro que trabalhei [Capitã Marvel], esse projeto é bem legal por se
tratar de uma super-heroína, e nós fizemos um trabalho incrível com o Samuel L. Jackson, ele está com 70 anos atualmente, e acredito que conseguimos deixá-lo 30 anos mais novo. A parte mais legal desse trabalho de Efeitos (rejuvenescer/envelhecer), é permitir aos atores serem quem eles quiserem ser, sem comprometer em nada suas performances/atuações. O trabalho [da pós produção] é tão meticuloso que passa realidade para quem assiste, sem ferir a performance. É realmente mágico como tudo isso é possível, por isso é muito gratificante quando conseguimos realizar nosso trabalho com maestria.
Resposta: Eu vim
de Engenharia, então achei que já estava preparada para o que viesse, só que
me surpreendi um pouco, porque a área de efeitos especiais é bem fechada. Eu
ouso dizer que é quase mais do que em engenharia. Cheguei a trabalhar em
projetos que, por exemplo, eu era a única mulher do grupo que trabalhou no
filme, a única técnica - não a única na área geral, porque hoje existem muitas
mulheres ganhando nessa área de produção, assistente de direção, supervisoras
de roteiro, mas alguém trabalhando na parte técnica mesmo, muitas vezes você
pode ser a única. Ainda é bem restrito, eu acho que isso se deve sim a diversos
fatores que o pessoal discute, mas é um pouco triste de ver, porque é uma área
que a gente tem que ir ganhando espaço ainda, sabe? Então tudo é uma batalha,
você tem de provar valor, você cresce de maneira diferente. É um desafio
sempre. Pode ser intimidador se você vislumbra sua carreira e pensa “bom, quem
que eu vou pegar de modelo aqui? ”, e aí você descobre que não tem, não tem uma
modelo. Para você ter uma ideia, existem cada vez mais mulheres abrindo espaço, mas no Oscar apenas uma ganhou em Efeitos Especiais, e se eu se
eu não me engano, só 3 ou 4 nomeações em todos esses anos de premiação. Se você
pegar a lista de homem ali é gigantesca. Pode ser intimidador, mas não podemos
nos apegar a coisas do passado e como foram, precisamos continuar crescendo e continuar
abrindo portas, e acredito que acima de tudo, temos que estar conscientes. Então,
se você entra numa equipe, abre a sala e 90% do que a compõe são homens, você
tem de estar consciente do seu papel, consciente de que você está abrindo
fronteiras, e quando abrimos fronteiras os caminhos são diferentes: você
precisa pensar diferente, tem que mostrar e provar seu talento de formas diferentes,
e isso vai dando abertura não só para você mas para outras mulheres também, que
estão vindo ao lado e que estão vindo atrás, as das novas gerações. Acho que o importante é ter
consciência, saber que não está de igual para igual ainda, mas que é possível,
e temos que trabalhar para alcançar isso. Eu mesma, por exemplo, os melhores
times que já trabalhei foram os que tinham maior diversidade, não só que
tivesse um equilíbrio entre homem e mulher, mas que também tivesse uma boa
mistura, culturalmente falando. Quando se consegue colocar um monte de gente diferente
junta, os resultados que isso proporciona são incríveis.
Pergunta: O que
você conhece da realidade do mercado brasileiro atual?
Resposta: Não
estou inserida e nem trabalhando no mercado brasileiro, mas eu venho
acompanhando, e o que eu posso dizer é que cada vez mais está tendo
reconhecimento, e isso é muito importante. Estamos ganhando uma popularidade de
fora também. Temos várias vertentes em que isso está acontecendo, claramente pra mim uma delas é a área que eu tenho interesse, que
minha mão de obra está mais inserida, que é no mercado de animação. Tivemos aí a
Rosana Urbes sendo premiada com a sua animação "Guida" no Annecy, que é o maior
festival de animação do mundo. O Alê Abreu com "O Menino e o Mundo" também, foi indicado ao Oscar. Outra
área que está crescendo é a de videoclipe, isso é bem legal, eles estão usando
técnicas diferentes [no Brasil], tem uns que têm histórias... está se tornando
uma área cada vez mais elaborada, com uma cinematografia melhor, com efeitos. E
a parte de filmes também, é sempre uma batalha, mas cada vez mais o Brasil está
tendo seu valor reconhecido fora e acho que isso alimenta a indústria interna
pela popularidade. Claro, não tanto quanto a gente gostaria, não caminha numa
velocidade rápida, mas sim, é um mercado crescente e promissor. É assim que eu
vejo, a gente tem muito campo para crescer, muito para melhorar, mas o fato de
já ganhar um reconhecimento é um passo enorme.
Outra notória produção da qual Tati participou é o "Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível", de 2018 |
Resposta: Para
você se consolidar de fato na área de pós produção tem uma coisa que é
fundamental: você tem de gostar de aprender o tempo inteiro; não um pouco, não
é estudar e só ai começar a fazer, porque tudo se renova e essa é uma área que
muda muito rápido. A tecnologia evolui e é preciso ser versátil, então as vezes
você sabe fazer aquele efeito usando aquele determinado programa, aquele
software específico, e aí você muda para outro estúdio e não é mais aquele
software, eles não têm aquela licença ou simplesmente não gostam daquela
estrutura de trabalho e você tem de fazer a mesma coisa usando outro
programa. Tem de se permitir aprender, precisa saber fazer coisas de diferentes
maneiras, é preciso ter esse jogo de cintura para estar sempre se renovando
para permanecer no mercado. A cada dia surgem novas ferramentas, programas e
maneiras de desenvolver a mesma coisa. É necessário se manter atualizado, senão você tá fora. Por isso acho que esse é o
ponto mais importante, se você está nessa área e se essa é a área que você
quer, você tem de estar sempre se renovando, estudando e aperfeiçoando alguma
coisa, a demanda não para.