A Trajetória de Hannibal Lecter no Cinema

Hannibal, ou respeitosamente dizendo, Doutor Lecter, é um perfeito exemplo de personagem antagônico do cinema. Dividindo opiniões do público desde sua primeira exibição, Hannibal foi tão bem construído e desenvolvido que desperta ódio, compreensão e até mesmo pena nos espectadores. Mas como um personagem com tantas... peculiaridades e feitos dignos de um psicopata conseguiu se tornar um anti-herói e ainda conquistar carisma? A resposta é a mesma que fez Clarice Starling ficar dividida em suas decisões: apesar de toda criatividade para perversidade, Hannibal carrega traços de humanidade. E mais para frente, depois da trilogia estrelada por Anthony Hopkins, tivemos um prequel (falamos sobre essa e outras terminologias aqui), ou seja, um filme exclusivo para contar a “história antes da história”, que mostra a juventude de Hannibal, onde se esforçam para explicar suas motivações.

O ator escocês Brian Cox vive Hannibal nessa primeira adaptação para o cinema.
Sua carreira é longa. A aparição inicial de Hannibal nas telas foi em 1986, em um papel secundário. Se tratava da primeira adaptação de Dragão Vermelho – ou Caçador de Assassinos, como veio para o Brasil. O livro já tinha sido lançado em 1981 pelo autor responsável por toda série do Dr. Hannibal Lecter, Thomas Harris. Ao todo são quatro livros, que ganharam adaptações cinematográficas na ordem em que foram sendo lançados, mas que não é a ordem cronológica da história.

Nessa estreia do personagem no cinema, sua notoriedade é ofuscada pela presença de Will Graham. O filme prioriza o agente do FBI e seu esforço na caça de um serial killer que está amedrontando toda cidade e desafiando a polícia.

Foi pelo papel do Dr. Lecter que Hopkins conquistou seu Oscar de Melhor Ator.
O sucesso de Hannibal acontece de fato em O Silêncio dos Inocentes, de 1991 (primeira e única adaptação do livro de 1988). Indicado a sete categorias do Oscar e vencedor das cinco principais, o longa é até hoje o único do gênero suspense a levar a estatueta de Melhor Filme. Jodie Foster protagoniza um dos papéis mais memoráveis de sua carreira, a eterna detetive Clarice Starling. Dirigido por Jonathan Demme, a produção também ficou conhecida por não poupar cenas de grande destaque para chocar o espectador, acompanhadas por diálogos intensos e sagazes.

Anthony Hopkins se preparou para o papel com tudo o que teve direito: visitou prisões, estudou os arquivos que disponibilizaram acesso sobre assassinos em série e participou de julgamentos referentes a casos de serial killer. O ator assumiu com maestria o personagem e, mesmo ficando em cena por cerca de apenas 17 minutos em todo filme, Hopkins desenvolveu características particulares e marcantes para o antagonista, como a escolha por piscar poucas vezes em cena, com o propósito de mostrar o quanto o psicopata é observador e atento às expressões, movimentos e detalhes que o cercam.

O ator conseguiu criar um arco dramático tão interessante e cheio de particularidades para o canibal que "O Silêncio dos Inocentes" influenciou outras produções do gênero suspense moderno e o personagem, com insanas oscilações de humor dentro da sua loucura, provou que nem sempre o vilão precisa mostrar seu lado humano, injustiçado ou sofredor para ganhar a simpatia do público.

Hannibal, mesmo em meio a sua insanidade, demonstra em poucas cenas uma certa afeição por Clarice.
O autor-criador de Hannibal, Thomas Harris, demorou 10 anos para lançar a sequência de "O Silêncio dos Inocentes". Só em 1999 foi apresentado ao público o livro “Hannibal”, no qual, enfim, Dr. Lecter assume o protagonismo. A história parte do contexto onde deixou em aberto: Hannibal está há sete anos foragido da polícia, trabalhando confiante e despreocupado na biblioteca de uma rica família na Itália. Já Clarice Sterling nunca mais se esqueceu de suas conversas com o psicopata, e vive sendo atormentada pela lembrança da voz de Hannibal em sua mente. No entanto, para o milionário Mason Verger, uma vítima sobrevivente ao ataque do psicopata, também é impossível se esquecer do criminoso, já que carrega marcas pelo corpo e um rosto totalmente desfigurado. Verger nunca desistiu de se vingar, e a partir de sua constante investigação, ele descobre que a única maneira de encontrar Hannibal é usando Clarice como isca.
O filme foi lançado em 2001 e teve mudanças radicais no corpo da produção, Jonathan Demme decidiu não assumir a continuação por considerar a história mais violenta que a anterior, e Jodie Foster preferiu ficar de fora justificando que tinha projetos para dirigir um filme seu – mas existem rumores sobre a atriz não ter aprovado o final da história e o destino de sua personagem. Demme foi então substituído por Ridley Scott (de "Blade Runner" e "Alien"), e Julianne Moore, superando fortes candidatas como Cate Blanchett e Sandra Bullock, ficou com o papel da detetive.

Sempre há algum comprometimento com a produção quando um personagem já marcado no imaginário do público é substituído pela imagem de outro ator na continuação. O papel de Clarice Starling é disparadamente mais otimizado nesse filme e sua relação com Hannibal é posta como paradoxal, colocando constantemente a prova os valores da personagem. Ridley Scott procura seguir a qualidade do filme anterior, e consegue, na medida do possível, entregar ao público uma sequência coerente com ênfase no que os espectadores tanto esperavam que fosse mais exposto e desenvolvido: a inteligência macabra de Hannibal.

As duas versões de Dragão Vermelho tiveram o mesmo diretor de fotografia, Dante Spinotti.
Com receio de dispersar o público – já cansado por esperar 10 anos para uma continuação -, e incrédulos com o lucro que a sequência arrecadou (cerca de US$ 350 milhões cobrindo rapidamente o orçamento de US$ 80 milhões), os produtores decidem por fazer um remake de "Dragão Vermelho". Estreado em 2002, o longa se trata de um prequel, contando a história que antecede ao "Silêncio dos Inocentes". O detetive do FBI, Will Graham (Edward Norton), é o responsável por prender o ex-psiquiatra Hannibal, mas quase é morto pelo psicopata na tentativa de capturá-lo. Após o incidente, Will se afasta da agência onde trabalhava, mas se vê obrigado a voltar ao cargo quando uma série de assassinatos começa a apavorar a população e não há nenhum policial capaz de encontrar um suspeito. O detetive sabe que a única maneira de achar o criminoso conhecido como “Fada do Dente” (Ralph Fiennes) é contando com a ajuda de Hannibal para compreender o raciocínio desse serial killer. 

Brett Ratner ("X-Men 3", "Hércules") assume a direção. O filme é o de menor sucesso e reconhecimento da trilogia estrelada por Anthony Hopkins, mas o papel desempenhado por ele segue o mesmo “padrão de qualidade” dos anteriores. Nessa última aparição de Hopkins com Hannibal, ele divide o protagonismo com Will Graham. A relação entre os personagens é um ponto forte na trama, o detetive parece estar sempre ligado na perspicácia do psicopata que, por sua vez, também enxerga inteligência em Graham.

A interdependência entre os dois também é desenvolvida na série de TV “Hannibal”, de 2013 – disponível na Netflix. O drama abre espaço para relançar o universo de Hannibal, mas a produção procura explorar a relação entre as duas fortes personalidades psicopata-detetive. O objetivo do roteirista Bryan Fuller era usar como pano de fundo a premissa de Dragão Vermelho, mas potencializar o jogo de gato e rato, trazendo novamente uma personalidade já consagrada no imaginário das pessoas, com a finalidade de reafirmar a empatia do público pela figura, explorar os jogos mentais do psicopata e desvendar a relação perturbadora entre os dois personagens.

Take do filme "Hannibal - A Origem do Mal", no qual o ator Gaspard Ulliel remete a clássica cena de "O Silêncio dos Inocentes".
O escritor foi desenvolvendo o personagem conforme escrevia os livros, por isso as obras não são em ordem cronológica. A fim de trazer uma motivação aos atos de Hannibal, em 2006 Thomas Harris lança "Hannibal – A Origem do Mal", que logo vira produção cinematográfica, estreada em 2007. O ator Gaspard Ulliel (protagonista de Saint Laurent) fica responsável por dar vida ao jovem Hannibal, e Peter Weber (diretor de "Moça com Brinco de Pérola") tenta guiar essa filmagem. A premissa é simples: após nosso protagonista vivenciar um episódio traumático, ele sai irreconhecível desse acontecimento, todo o resto do longa metragem tem como finalidade justificar o perfil psicopata de Hannibal. Numa tentativa de dizer “ele é louco, mas nem sempre foi assim” o autor prejudica a saga e foge totalmente da construção que Anthony Hopkins tanto pleiteou para termos do personagem. 

Com vilões sem motivação, romance forçado e excesso de sentimentalismo, o filme soa como uma fanfic ou até, talvez, de um ponto de vista positivo, como uma história nova, sem nenhuma ligação com as anteriores. Rompendo totalmente com o universo de "O Silêncio dos Inocentes", podemos consumar elogios no esforço de Gaspard Ulliel em recriar os gestos de Hopkins e no fato do filme ser tecnicamente razoável.

Eternizado como Hannibal, Anthony Hopkins revelou em uma entrevista em 2016 à revista americana Entertainment Weekly que se arrependeu de ter aceitado fazer Hannibal. 10 anos depois de "O Silêncio dos Inocentes", o ator ainda diz que deveria ter ficado apenas no primeiro filme da saga. É inegável que o serial killer é o principal personagem de sua carreira, e esse é o ônus por interpretar um antagonista com absurda competência, assim com Jack Nicholson o fez em "O Iluminado" e Anthony Perkins em "Psicose". O papel será sempre associado ao ator e seu espetáculo de performance ultrapassará gerações, o que podemos supor ser improvável que o público aceite uma nova atuação que ouse substituir Hopkins em um possível remake.

Como um dos vilões mais temidos de todos os tempos, Hannibal permanece na fantasia dos fãs. O serial killer cheio de singularidades, mesmo depois de anos, continua divergindo pontos de vista sobre seu temperamento, e como personagem bom é aquele que manipula o próprio público, ele é lembrado pelos cinéfilos como o exemplo perfeito de vilão contraditório, inspirando novas figuras do gênero e movendo análises que tentam explicar o efeito Hannibal com o mundo.

365 Filmes +Conteúdo +Notícias +Produtos +Cinema

A 365 Filmes é um conjunto de ferramentas que juntas formam um espaço totalmente voltado para o cinema. Seja através do conteúdo do blog, das notícias nas redes sociais ou dos produtos de nossa loja exclusivamente criados para os amantes da sétima arte, nossa motivação é divulgar, incentivar e inspirar cada vez mais cinema.