Bohemian Rhapsody (2018) - Nem vida real, nem fantasia

Bohemian Rhapsody (2018) se propõe a ser uma celebração da trajetória da banda Queen e seu vocalista Freddie Mercury, que desafiou estereótipos e convenções para se tornar um dos artistas mais idolatrados da história da música, acompanhando o sucesso meteórico do grupo através de suas canções icônicas e seu som revolucionário. O projeto, no entanto, enfrentou diversos problemas durante sua produção, desde a desistência do primeiro ator cotado para o papel principal, Sacha Baron Cohen, até a demissão do diretor Bryan Singer, substituído por Dexter Fletcher

Contudo, há males que vem para o bem, como a escolha de Rami Malek, ator ganhador do Emmy em 2016 pelo papel principal na elogiada série Mr. Robot. Malek é o aspecto redentor do filme, com uma atuação detalhista que reproduz até mesmo os trejeitos e maneirismos mais discretos de Mercury, como o seu sotaque e sua forma de caminhar, e busca dar uma profundidade pouco permitida pelo roteiro genérico de Anthony McCarten, que após roteirizar A Teoria de Tudo (2014), parece escrever filmes biográficos no piloto automático. 

Causa estranheza que um filme que se propõe a retratar a vida de uma figura tão exuberante quanto a de Freddie Mercury, conhecido por seus excessos e por sua personalidade forte, seja tão insosso. A pressa em passar por tantos acontecimentos no decorrer da longa e desnecessária duração do filme não dá espaço para que ele se diferencie de tantas outras cinebiografias de músicos famosos. Apresentações e figurinos icônicos são recriados com uma fidelidade incrível, mas evidenciam o apego e contento em buscar essas referências sem trazer algo além, próprio da linguagem cinematográfica. O resultado é um filme que mais parece uma sucessão de clipes cover de alto orçamento, interessado em suscitar no público apenas emoções que ele já conhece.

A ambição de Bohemian Rhapsody em retratar a originalidade e a energia da banda é contra intuitiva e completamente prejudicada por sua falta de identidade enquanto obra. O projeto, notoriamente supervisionado pelos membros restantes do Queen, Brian May e Roger Meadows-Taylor, opta por uma versão um tanto asséptica dos fatos, em detrimento do aprofundamento em elementos que exigiriam uma abordagem nuançada e disposta a lidar com questões delicadas, como a sexualidade de Freddie Mercury e sua luta contra a AIDS. 

O desconforto em abordar tais pontos-chave da vida de Mercury é evidente na condução da trama, que de modo geral, deixa apenas implícito os excessos de Mercury em relação à drogas e a sua sexualidade, priorizando sua relação romântica com sua mulher Mary, que o acompanha durante boa parte da carreira e presencia sua gradual autodestruição. Segundo seu parceiro Jim Hutton, Mercury foi diagnosticado com o vírus da AIDS em 1987. No entanto, na abordagem revisionista do filme, a história é reescrita e coloca o diagnóstico da doença como sendo o motivador da antológica apresentação do Live Aid, em 1985, artificializando um "clímax cinematográfico". 

Quando surgem os créditos, vemos imagens de arquivo que deixam claro o tamanho da oportunidade perdida em não aproveitar um ator do calibre de Malek em um filme melhor, que recriasse a trajetória de vida do seu protagonista como ela realmente foi: infinitamente mais interessante. Felizmente, não é preciso assistir o filme para experienciarmos a imortal obra de Mercury - para isso, sempre teremos as músicas, e elas bastam.

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