As Viúvas (2018) - Uma Renovação de Gênero


Há uma espécie de diretriz implícita no cinema de que os bons filmes sintetizam a si mesmos, narrativa e visualmente, logo no primeiro plano. Em As Viúvas (2018), o diretor Steve McQueen, conhecido por Shame (2011) e 12 Anos de Escravidão (2014) abre o filme com um intenso beijo entre Veronica (Viola Davis) e Harry Rawlings (Liam Neeson), um gesto de afeto urgente, que toma outras proporções quando é alternado com uma sequência de ação extremamente tensa na qual um roubo dá errado e quatro homens são mortos, incluindo Harry. 

O deliberado equilíbrio narrativo que McQueen e seu colaborador frequente Joe Walker encontram na montagem destas ações é uma amostra perfeita do que virá a seguir - um “filme de assalto” que explora a intimidade e nuanças de seus personagens, em uma bem vinda subversão do primeiro de muitos clichês do gênero, que geralmente se preocupa mais em mostrar o passo a passo dos mirabolantes roubos, artifício consagrado por filmes como Onze Homens e Um Segredo (2001).

Em termos comparativos, a abordagem de McQueen, que adapta o livro homônimo de Lynda La Plante juntamente com Gillian Flynn - roteirista da elogiadíssima série da HBO, Objetos Cortantes - é muito mais semelhante ao clássico Fogo Contra Fogo (1995), de Michael Mann, obra com a qual divide o interesse por uma trama complexa que coloca personagens não-arquetípicos em disputa com a cidade, o sistema e com suas próprias mazelas.

As viúvas do título são, além de Veronica, Alice (Elizabeth Debicki) e Linda (Michelle Rodriguez), um grupo heterogêneo que por si só também representa outra subversão das regras do gênero, geralmente encabeçado por homens hiper-habilidosos. Aqui, apesar de tomarem a responsabilidade para si, as personagens não sabem de fato como terminar o que seus maridos não conseguiram, e é por isso que McQueen mais se interessa, preenchendo boa parte do filme com as tentativas de superação das personagens, acompanhadas de perto pelas lentes de Sean Bobbitt, outro colaborador frequente de McQueen.

O filme se apoia bastante na sua inteligente e refinada narrativa visual, conduzida por uma câmera fluída que frequentemente reenquadra para recontextualizar, contando uma história de detalhes e gestos discretos, trazendo à tona pequenas narrativas a cada plano e potencializando o trabalho do seu grande elenco em cada encontro onde diferentes personagens se antagonizam, como o político Jack Mulligan (Collin Farell) e seu pai, Tom (Robert Duvall), ou os irmãos Jamal e Jatemme (Bryan Tyree Henry e Daniel Kaluuya, respectivamente).

Quanto ao grande roubo planejado pelas protagonistas, o filme toma a acertada decisão de não detalhar os planos para sua execução, tornando a sequência do ato em si um grande exercício de tensão e imprevisibilidade. Com uma trama repleta de viradas, As Viúvas é uma excelente adição à prolífica e diversa filmografia do diretor Steve McQueen e um bem sucedido exemplo das possibilidade trazidas pela oxigenação de convenções de gênero, tanto cinematográfico quanto humano, para a criação de uma obra sintonizada com questões contemporâneas e de alta qualidade.

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