Camocim (2018), cidade dividida

Distribuído pela Vitrine Filmes, o novo filme de Quentin Delaroche (direção, fotografia e montagem) é um registro das eleições municipais da pequena cidade de Camocim de São Félix, no interior de Pernambuco, através da vivência da jovem Mayara Gomes e sua atuação como cabo eleitoral na campanha de seu amigo e candidato a vereador César Lucena.

Em uma campanha entre dois grandes partidos – os Vermelhos contra os Azuis – que se diferem mais pela cor de suas bandeiras que por suas ideologias políticas, a lente atenta e imparcial de Delaroche encontra uma cidade extremamente polarizada, que tem a identificação político-partidária no cerne de seus conflitos sociais. Mayara e César fazem parte do partido Azul e possuem uma abordagem intimista de propaganda, conversado com os cidadãos nas portas de suas casas e produzindo seu próprio conteúdo midiático (como jingles e conteúdo para as redes sociais), e é a partir deles que vemos as peculiaridades do processo eleitoral em Camocim.

Talvez a maior delas seja que as eleições também funcionam como um evento cultural e de entretenimento que se assemelha muito ao carnaval brasileiro, com grande engajamento da população nas ruas da cidade em eventos que possuem música, muita bebida e shows, que são brevemente interrompidos por discursos populistas dos candidatos e até mesmo performances dos mesmos (como na cena em que um deles canta sertanejo no microfone, animando a multidão).

Esse lado festivo é contrastado, é claro, por muita violência e ebriedade. Em diversas cenas vemos momentos de tensão nos quais os cidadãos, claramente alcoolizados, discutem entre si proferindo ofensas e xingamentos por vezes partindo para a agressão física, escancarando a brutalidade que permeia a atmosfera hostil da pequena sociedade. O diretor se preocupa também em apresentar ao espectador camadas mais sutis desse cenário, como quando um rapaz conta que sua avó se recusa a abraçá-lo unicamente porque este não apoia o mesmo partido de sua família.

No centro de todo o caos, a determinada e engajada Mayara também se empenha em conversar com apoiadores do partido oposto e jovens politicamente incrédulos e partidariamente neutros sobre a importância de mudanças e união para a construção de um futuro melhor para a cidade. Sua fala reflete esperança e luta, mas parece surtir pouco efeito nas opiniões já bem formadas e devidamente blindadas de seus ouvintes. Na cidade, quase não se fala de propostas ou ideologias, e muitos admitem que seu envolvimento com os partidos está vinculado à oferta de empregos gerada pelas eleições ou mesmo a ordens diretas de seus patrões.

Em dado momento, o espectador é situado no tempo pelo áudio de uma notícia de jornal, que fala sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Uma cena curta que simboliza o quão distante o cenário nacional - que não é debatido em nenhum momento pelos habitantes - se encontra da bolha social e partidária que rege Camocim. 

Com execução e montagem competentes, Quentin Delaroche produziu um bom longa-metragem documental de guerrilha. Camocim é simples, mas extremamente relevante ao estimular uma reflexão sobre a eficácia de nossas estruturas políticas e sociais através de um exemplo singular, contrastando o isolamento governamental de uma pequena cidade do Nordeste brasileiro à visão de uma jovem que permanece forte e motivada na luta por seus ideais.

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