A cultuada trilogia de Richard
Linklater é, por várias vezes, reverenciada como a grande história de amor do
cinema recente. E quando é dito amor, não se trata apenas de um romance linear,
onde um casal se conhece, têm seus sentimentos postos à prova e permanecem
juntos no final. Antes do Amanhecer,
Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite tratam do amor da
maneira mais factual o possível: mostrando todas as suas consequências, razões
e porquês. Não como um sentimento místico ou algo traçado por um plano divino,
mas uma relação que é construída pouco a pouco a partir de decisões – pequenas
e grandes – que podem, enfim, mudar as histórias das pessoas. Escrever novos
capítulos.
Inspirada por um encontro do
diretor Richard Linklater com uma
garota (conheça essa história aqui), os filmes da trilogia foram escritos por mais mãos: além de Kim Krizan
(que colaborou com os dois primeiros capítulos) os atores Julie Delpy e Ethan Hawke também
ajudaram na construção do romance que seria desenvolvido entre Celine e Jesse, o casal de protagonistas a partir de Antes do Pôr-do-Sol. Ela, uma francesa que já morou em Nova York e
voltou a Paris – tem uma forte relação com sua família e é uma convicta
idealista; Ele, um americano que viaja pela Europa e em seu último dia antes
de voltar para casa encontra alguém por quem se apaixona no trem que o levaria
para o aeroporto. Essa, no caso, é Celine.
São três filmes diferentes que
tem em comum a sensibilidade e o apego aos pequenos detalhes que constroem os relacionamentos
como conhecemos. Os olhares, as semelhanças e diferenças entre o casal, os
traços mais caricatos de cada um deles e como eles se encaram – seja num
momento de admiração ou seja num breve confronto. Também são filmes que se
diferenciam por, além dos recortes de momentos distintos do casal,
captar sutilmente o espírito da época de lançamento de cada peça da
trilogia. Celine e Jesse se encontram e se conhecem num
trem europeu, quando tem destinos diferentes e decidem passar juntos uma
noite em Viena (Antes do Amanhecer, 1995);
Nove anos mais tarde, se encontrariam novamente ao acaso – com Jesse, um escritor que fazia a
apresentação de seu livro em um lançamento em Paris, na livraria favorita de Celine. Livro
este que conta a história de um romance de uma noite apenas com uma mulher
desconhecida. Jesse então é casado e
tem um filho, Celine vive um relacionamento frustrado que é mascarado pelas
aparências (Antes do Pôr-do-Sol,
2004); Os dois então permanecem juntos desde aquela tarde em Paris, e além do
filho do casamento anterior, eles agora tem duas filhas. Ele continua
sua carreira bem sucedida como escritor, enquanto Celine não tem um emprego
definido e cogita outras possibilidades. Apenas não pensa em deixar Paris, onde
o casal vive (Antes da Meia-Noite,
2013).
Enquanto o primeiro filme é demasiadamente
doce, como uma poesia viva embalada pelo espírito aventureiro do casal, Antes do Pôr-do-Sol já trilha um
caminho mais afincado na vida real, no questionamento, nas razões que levam
duas pessoas a se relacionarem mesmo que hajam entraves no encontro: um casamento,
por exemplo. Então, após todo o processo de se conhecerem, se reencontrarem,
reatarem um relacionamento que parecia perdido e duas filhas depois – o casal
encontra dificuldades em se sustentar. Jesse tem um filho que mora em outro
país, que lhe faz sentir culpa por não conseguir acompanhá-lo como gostaria e
cogita se mudar com a família para Chicago - onde a criança vive com a mãe, ao
mesmo passo que, Celine, por não conseguir se estabelecer num emprego, também se
sente desvalorizada e desimportante. Aos poucos, o impacto do tempo sobre o
casal começa a mostrar marcas, feridas que se abrem. A vida não pode ser completamente
planejada, é uma (rara) exceção quando acontece de acordo com os sonhos e
vontades. Isso oprime o casal, que passa férias na Grécia e tem seus conflitos
expostos. Conflitos que ocorrem em função de tudo o que reprimiram e abrirão
mão para estarem ali – naquela situação – casados, como uma família.
São, inclusive,
interessantíssimas as pistas deixadas pelo diretor que fazem analogias ao
relacionamento de Jesse e Celine. A mais notável de todas é quando os dois
observam o pôr-do-sol na Messênia e Celine repete constantemente “ele está lá”, como
alusão ao sentimento que já sentiram um pelo outro. Os dois aguardam o
pôr-do-sol e quando ele é finalmente cortado por uma montanha, o filme dá a
atender que um conflito está por vir.
Não se trata apenas de acompanhar
a história do casal. Há romance: Quando o reencontro marcado em sua primeira
despedida não aconteceu, eles ainda mantinham alguma crença de que o destino os colocassem juntos de novo, como de fato aconteceu - agora com novas histórias, amadurecimento,
mas ainda sem saber lidar com as incertezas que a vida invariavelmente insiste em
nos forçar a encarar. Do mesmo modo, existe porém uma raiz na obra que é
uma janela escancarada para a realidade: os conflitos, as dificuldades em
lidar com as manias e vontades do parceiro, colocar os objetivos conjuntos acima dos pessoais... Acima do romance e da felicidade, que são os objetivos
finais de qualquer casal, está todo um caminho que precisa ser trilhado
diariamente, enfrentado por dois componentes que precisam entender e se adaptar
às mudanças, próprias e do companheiro. Aceitar também as individualidades e
vontades de cada um. A trilogia de Richard
Linklater é como um convite à reflexão sobre qualquer relação: seja ela
amorosa ou não.
Logo no primeiro plano de Antes do Amanhecer, o autor já implica
que estamos na vida apenas de passagem. O trem tem um destino, Jesse e Celine tem outros, todos distintos entre si. A vida pode acontecer
em um minuto, e o que define nossa jornada é justo como aproveitamos o tempo, as
oportunidades e nossa capacidade de tocar e influenciar as vidas ao nosso
redor. Relacionamentos podem ser duradouros ou passageiros, uma série de
interferências internas e externas é que determinará isso, cabe a nós, então, aproveitar ao
máximo possível a companhia do parceiro, viver a felicidade proporcionada por
cada momento. Será que após os créditos de Harry e Sally eles viveram mesmo
felizes para sempre? Assimilar a situação e tomar as decisões corretas no
momento que encontramos uma pessoa capaz de transformar nossas vidas é um
tremendo desafio. Entre dores e delícias, Antes
do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol
e Antes da Meia-Noite são mesmo o
retrato duro e fiel do que é o amor para essa geração.