7 filmes para entender o cinema de fluxo

De uma maneira ou de outra, todos os filmes tentam nos afetar de alguma forma. Das lágrimas num drama aos efeitos especiais no cinema de espetáculo, cada elemento da mis-en-scène tem a intenção de causar algum impacto em quem assiste. Na maioria das vezes, esse afeto é apenas mimético, ou seja, imita o que está acontecendo em tela - como levar um susto em um filme de terror. O que acontece, então, quando um filme não te diz o que sentir, mas fazer você ficar pensando sobre o que está em tela e sentir algo é sua missão principal? Dito de maneira bem simplista, é essa a base para o cinema de fluxo, estilo considerado um dos rumos mais promissores para o cinema contemporâneo.

A tendência tem suas raízes no neorrealismo italiano e, até mesmo, no meio acadêmico. Por volta dos anos 90, os teóricos do cinema decidiram encarar o espectador como um corpo que sofre influências físicas do que está em tela. Essa linha de pensamento ficou conhecida como "virada afetiva" e foi buscar elementos nas mais diversas áreas para se estudar o cinema.

Os filmes fogem do cinema clássico, já que abandonam a narrativa como o foco principal da produção, e os afetos causados são subjetivos de cada indivíduo que os assiste, por isso podem ser conhecidos como "chatos" ou difíceis de encarar. Ainda assim, eles são uma jornada válida de se conhecer. Quer saber como essas produções tentam realizar essa tarefa complicada de fazer você sentir algo? Separamos alguns filmes de alguns dos diretores e diretoras mais proeminentes no ramo para você se iniciar nesse realismo de sentidos. Confira:

1) Millennium Mambo 

Millenium Mambo | Hou Hsiao-Hsien | Taiwan | 2001
Nomeado para a Palma de Ouro em Cannes e considerado por muitos como um dos mais emblemáticos do estilo, Millenium Mambo é constituído basicamente de planos sequência longos e consecutivos - um elemento comum no cinema de fluxo. De natureza muito poética, vemos o desenrolar da jornada de libertação da protagonista Vicky (Qi Shu) do relacionamento abusivo com Hao-Hao (Chun-hao Tuan). Os movimentos da câmera, em comunhão com os relatos pontuais feitos em voice-over, direcionam o olhar e a imaginação do espectador, sem depender muito das falas para desenhar as relações entre os personagens em tela . Hou Hsiao-Hsein também se aventura em filmes menos narrativos, como Café Lumière (2003), que mantém o espectador em suspensão, demorando para revelar elementos essenciais do seu enredo.

2) Gerry 

Gerry | Gus Van Sant | EUA | 2003
Gerry frequentemente é usado para exemplificar o cinema não-narrativo, que quebra com as relações de causa e efeito presentes nas cenas do cinema convencional. Estrelado por Matt Damon e Casey Affleck - e co-escrito pelos dois e pelo diretor -, a história segue dois amigos de mesmo nome enquanto vagam perdidos por uma reserva ambiental. O filme brinca com a percepção do espectador, utilizando de ilusões de óticas para traduzir visualmente a confusão psicológica que o cenário desértico causa nos protagonistas. Muitas vezes eles são enquadrados de maneira que as montanhas rochosas do Vale da Morte, na Califórnia, tomem a maior parte de tela, parecendo mais próximas entre si do que elas realmente são.A atmosfera desoladora e agourenta da produção ainda é aumentada pelos tons azulados da paleta de cores, que contradizem o cenário árido, pela a cinematografia bem contrastada em alguns momentos e até mesmo a trilha sonora melancólica. Gerry é o primeiro filme da “Trilogia da Morte” do diretor Gus Van Sant, sendo constituída também por Elefante (2003) e Últimos Dias (2005).






3) Shara 

Sharasôju | Naomi Kawase | Japão | 2003
Uma imersão no dia-a-dia pacato de uma vizinhança na cidade de Nara, no Japão. Acompanhamos a história de Reiko - interpretada pela própria diretora - e sua família, que ainda lidam com as cicatrizes do desaparecimento de um dos filhos, enquanto buscam alívio e novas possibilidades em outros elementos. Entre eles, o tradicional festival de dança Basara, que, nas mãos talentosas de Kawase, se torna uma cena espetacular e de tirar o fôlego. Shara competiu em 2003 pela Palma de Ouro no Festival de Cannes e é considerado um dos 100 melhores filmes do século XXI dirigidos por mulheres.

4) Luz Silenciosa 

Stelle Licht | Carlos Reygadas | México | França | 2007
Os planos demorados, no cinema de fluxo, têm como justificativa fazer com que o espectador explore cada aspecto do enquadramento e reflita sobre o que está vendo, multiplicando suas interpretações sobre as cenas. Esse é um dos elementos mais característico do ganhador deste Grande Prêmio do Júri no Cannes de 2007. Em uma narrativa, que à primeira vista parece escassa, Reygadas desenvolve conflitos complexos de amor e fé ao seguir o drama de uma família de menonitas - seita cristã que vive reclusa da sociedade moderna - que tem que encarar a traição do patriarca com uma mulher de fora da religião. 

Para criar as nuances da história, Reygadas opta por ações sutis dos atores, muitas vezes usando apenas o olhar deles como ação principal dos cortes. Os sons do ambiente rural também predominam no filme, sobressaindo-se às poucas falas. Há ainda a inclusão de elementos místicos relacionados ao cenário bucólico e isolado, aspecto muito presente em obras do diretor, como em Post Tenebras Lux (2012). 

5) A Mulher Sem Cabeça 

La Mujer sin Cabeza | Lucrecia Martel | Argentina | 2008
Este drama psicológico argentino é um dos ícones do cinema contemporâneo latino-americano. Sua narrativa tem o trauma e a dúvida como suas duas bases principais, já sendo apresentadas logo na sequência de abertura. Na volta do clube campestre que frequenta, Verônica (María Onetto) atropela algo, mas ela se recusa a sequer olhar para trás, com medo do que ia encontrar. 

A partir deste ponto, o sentimento de culpa da mulher permeia todos os âmbitos de sua vida cotidiana. Lucrecia constrói essa tensão dando ênfase ao som, já que, muitas vezes, a ação principal do plano acontece, na verdade, fora de enquadramento - restando apenas o áudio e a imaginação da audiência para tentar entender o que está acontecendo. A diretora já ressaltou em diversas entrevistas que a sonoridade dos seus filmes são um fator importante, até mesmo na hora da escrita do roteiro.


6) Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas 

Loong Boonmee Raleuk Chat | Apichatpong Weerasethakul | Tailândia | 2010
Tio Boonmee sofre com insuficiência renal e acredita estar perto da morte. Assim, quando os parentes da cidade vêm visitar sua fazenda, várias lembranças sobre o passado da própria família começam a surgir. O filme tem um tom inesperadamente "desdramatizado", o que contradiz com o estado terminal de saúde do protagonista. A predominância dos sons da floresta ao redor e a inserção de de elementos do folclore tailandês de maneira sutil colaboram para a criação de uma atmosfera onírica e imersiva, que justifica a naturalidade com a qual os personagens lidam com o sobrenatural.  

Por mais surreal que seja, Apichatpong sempre encaixa algum elemento político e social na narrativa - como a homossexualidade em Mal dos Trópicos (2004). Nesta produção, a situação dos imigrantes ilegais no país, principalmente vindos de Laos, é uma sombra constante. Além disso, há uma breve passagem sobre um regime ditatorial fictício, referência ao curta Carta Para Tio Boonmee (2009) que deu origem ao longa. O filme surpreendeu ao levar para casa a Palma de Ouro em Cannes, em 2010.


7) O Homem das Multidões

O Homem das Multidões | Cao Guimarães, Marcelo Gomes | Brasil | 2013
O Brasil também não está fora dessa tendência. Vagamente baseado no conto homônimo de Edgar Allan Poe, O Homem das Multidões gira em torno da rotina de Juvenal (Paulo André), um metroviário solitário, cuja única companhia é Margo (Sílvia Lourenço), que está prestes a se casar. A produção brinca constantemente com a dualidade multidão/solidão do cenário urbano. A ideia de tédio, melancolia e indiferença são constantes enquanto vemos o protagonista vagar pela cidade de Belo Horizonte. Preso num ambiente dinâmico e de passagem – uma estação de metrô – Juvenal se vê imergido numa vida blasé, característica reforçada pelos tons cinzentos da paleta de cores e pelo maneira como as pessoas ao seu redor são distanciadas pelo olhar da câmera, já que sempre aparecem desfocadas.

E você, se sentiu afetado? Diz pra gente o que achou do cinema do fluxo.

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