A Bruxa: transgressor, revolucionário e incompreendido


A Bruxa tinha tudo para ser um sucesso: arrecadou oito milhões em sua estreia, teve grande aprovação da crítica especializada e ainda ganhou o mérito de Melhor Direção no Sundance do ano passado. Nada disso foi suficiente para agradar ao público, que saiu insatisfeito das salas de cinema e consolidou o filme como um fracasso quase absoluto na opinião popular. Ainda assim, a produção seguiu uma tendência cada vez mais comum no mercado independente, sendo parte importante de um fenômeno que vem surpreendendo a comunidade cinematográfica e que promete mudar o futuro dos filmes de terror.

A história segue uma família de puritanos que, banidos da plantação onde viviam, se estabelecem nos arredores de uma floresta no nordeste dos Estados Unidos colonial. O desaparecimento do filho recém-nascido aumenta as tensões entre os personagens, que, ao mesmo tempo em que enfrentam problemas dentro de casa, têm que lidar com uma força sombria que se esconde na floresta. Escrito e dirigido pelo estreante Robert Eggers, o enredo traz crenças e mitos despidos de convenções modernas, retornando à sua natureza genuína de terror psicológico e sexual.

No filme, a religião é uma fonte de salvação, mas também de temor e culpa


Eggers é apenas um dos vários diretores estreantes que formam uma espécie de vanguarda recém-formada no mercado independente de filmes de terror, este que se distancia cada vez mais de Hollywood. Essa ruptura é fruto de um uso repetitivo e excessivo de artifícios cinematográficos nos terrores comerciais dos grandes estúdios. Apesar de eficientes, técnicas como a do jumpscare, aquelas mudanças bruscas na imagem ou na trilha sonora, são usadas incansavelmente, muitas vezes em um único filme, e acabaram saturando o modelo hollywoodiano de terror.

Ao invés de tentar assustar o público em cada sequência de cenas, as produções alternativas têm como objetivo justamente a criação de uma tensão gradativa que só se desfaz no clímax do filme. Essas produções não focam em sobressaltar a audiência fisicamente, mas sim em envolvê-la psicologicamente em suas tramas perturbadoras. Para isso, elas também se desvencilham de outros estereótipos do gênero. As cenas de sexo e violência gratuitas, por exemplo, que sempre foram aspectos característicos do terror e nada mais são do que ferramentas para atrair a atenção do público, são quase ausentes nesse tipo de produção. Isso não quer dizer que esses filmes são necessariamente menos sangrentos e sexuais, mas sim o contrário: o uso objetivo desses tipos de cenas as torna mais intensas e menos banais, aparecendo como uma repressão, ao invés de uma expressão da sexualidade.



Essa nova tendência começou a ser evidenciada com a maior presença de filmes de terror em festivais de cinema internacionais. O gênero, que sempre foi negligenciado no meio cultural, começou a emplacar produções de destaque em grandes eventos, como o Festival de Cannes. Entre essas produções, podemos destacar duas que saíram dos circuitos menores e foram batalhar por espaço nas salas de cinema, sofrendo as mesmas consequências que A Bruxa. A primeira é O Babadook (2014), um terror psicológico australiano com uma carga dramática bem elaborada e muito metafórica que até hoje não tem data de estreia no Brasil. A segunda é Corrente do Mal, um lançamento de 2015 que beira o drama adolescente, tendo um grande cuidado técnico e uma trama simples que usa de clichês, mas não se atém a eles. Ambas receberam grandes elogios da crítica, mas o público não se mostrou muito receptivo a elas.

Uma das inspirações para o diretor foram as pinturas místicas do espanhol Francisco de Goya, em especial o quadro O Sabá das Bruxas de 1797-98
A grande maioria da audiência, acostumada com o estilo mais convencional, ainda não parece pronta para encarar esse novo terror transgressor. No entanto, isso não é justificativa para taxar essas produções como filmes ruins. A Bruxa pode não ser o terror padrão, mas merece reconhecimento onde lhe é devido. Sendo fruto de uma pesquisa histórica extensa, a retratação da sociedade da época é feita com maestria. A atuação não deixa a desejar e é surpreendentemente carismática, com o elenco constituído majoritariamente por crianças. A direção e a escrita são inteligentes e muito bem realizadas, usando simbolismos e alegorias para expor os conflitos internos e externos dos personagens.

O gênero de terror, sempre periférico na comunidade cinematográfica, avança em direção a um maior reconhecimento cultural, ao passo que produções como A Bruxa pavimentam o caminho para um novo tipo de audiência, que tenta quebrar as amarras do molde hollywoodiano. Até que esse novo público se consolide como um alvo propício, os grandes estúdios vão continuar presos às degradadas franquias e a ousadia vai seguir restrita ao mercado independente, que, sem nada a perder, se mostra mais promissor do que nunca.

365 Filmes +Conteúdo +Notícias +Produtos +Cinema

A 365 Filmes é um conjunto de ferramentas que juntas formam um espaço totalmente voltado para o cinema. Seja através do conteúdo do blog, das notícias nas redes sociais ou dos produtos de nossa loja exclusivamente criados para os amantes da sétima arte, nossa motivação é divulgar, incentivar e inspirar cada vez mais cinema.