Um ponto de vista sobre adaptações



As adaptações têm ganhado cada vez mais força, isso após um período em que editores reclamavam que a indústria havia se focado em quadrinhos ou naquelas famosas histórias baseadas em fatos reais. Um grande exemplo disso foram os indicados ao Oscar desse ano, dos oito títulos nomeados à categoria de melhor filme, cinco são adaptações de livros: The Big Short, The Martian, Room, Brooklyn e The Revenant. Isso sem contar as outras categorias, onde encontramos também Carol e The Danish Girl.

A história é a mesma sempre: você lê um livro ou assiste a uma peça de teatro, em seguida alguém resolve adaptar essa obra para o cinema. Então você se anima, vai já esperando ver tudo aquilo na magia da sala escura, mas surgem as perguntas: cadê aquele personagem tão legal? Por que aqui essa personagem tem uma profissão diferente? Não acredito que tiraram aquela parte maravilhosa! E por aí vai. Afinal de contas, como é feita uma adaptação?

De maneira geral, nos apegamos aos nossos personagens e situações favoritas e pensamos que eles devem ser transpostos para um filme quase automaticamente. Mas durante esse processo, muitos fatores se impõem e, mesmo sem abordar questões de produção como dinheiro, locações, cenografia, fotografia, som e todos os outros elementos que constituem a linguagem cinematográfica, um problema se apresenta logo no começo de tudo: no roteiro.

Essa primeira dificuldade pode parecer óbvia: são meios completamente diferentes. Em um livro, a estória usualmente se passa dentro da cabeça do protagonista, sabemos seus medos, receios, pensamentos mais profundos e enxergamos o mundo através de seus olhos. Já um filme, deve ser uma estória contada através de imagens, tornando-se impossível representar conceitos abstratos de forma objetiva. A imagem tem uma violência expressiva, é poderosa, comunica muitas coisas ao mesmo tempo, nos dá os personagens por inteiro e de uma só vez.

Ted Tally, roteirista que adaptou "O silêncio dos inocentes" para o cinema, relata que essa primeira dificuldade foi ultrapassada quando resolveu fazer com que a narrativa fosse sobre Clarice Starling, estudante que queria se tornar agente do FBI. Isso implicou em excluir completamente cenas com Hannibal Lecter e outros personagens, além de ocultar muitas informações em detrimento de outras. No livro, nós temos acesso a outros pontos de vista, mas no filme só sabemos o que Clarice sabe e seguimos sua trajetória. Com isso, chegamos à questão principal: o que faz uma boa adaptação?

Nos estudos acadêmicos, o conceito de adaptação tem sido modificado para transposição, justamente para tentar quebrar o imaginário de que uma obra tem que ser aplicada fielmente ao outro meio. O argumento é de que uma obra tem uma essência, uma linha básica narrativa que deve ser respeitada e, portanto, se um filme preserva isso, ele será uma boa transposição ou adaptação.

Por exemplo, o livro "O silêncio dos inocentes" e o filme, em essência, contam a estória do FBI no processo de captura de um serial killer chamado Buffalo Bill com a ajuda de outro serial killer, Hannibal Lecter. A partir disso, as escolhas do roteirista poderiam determinar diferentes abordagens e desdobramentos. Esse mesmo filme poderia ser contado do ponto de vista de Hannibal, de Clarice e até mesmo de Buffalo Bill, formando uma infinidade de filmes totalmente diferentes sobre uma mesma estória.

O processo de adaptação é muito mais complexo e vai além somente do ponto de vista de um personagem ou de como as informações são distribuídas entre espectador e protagonista. Há diversos outros elementos de estruturação de narrativa que devem ser seguidos para se fazer um bom roteiro e um bom filme, mas isso é um assunto para outro texto. Se você se interessou pelo tema e quer saber mais, assista ao filme "Adaptação" de Spike Jonze, que acompanha quase autobiograficamente o roteirista Charlie Kaufman, um neurótico tentando adaptar um livro.

Texto de Mariana Dias.

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