Crítica | Carol (2015)

A indústria cinematográfica e editoras nunca foram boas para os homossexuais. Durante muitos anos e, vale a pena frisar, muitos anos mesmo, os poucos personagens homossexuais que existiram no cinema tinham um final fatalista, eram penalizados e sempre acabavam se matando ou coisa pior. Um grande exemplo é o filme "Infâmia" de 1961, estrelado por Audrey Hepburn e Shirley Mclaine, que trata do sofrimento de uma amiga que apaixona-se pela outra em um tempo em que isso era considerado crime, a personagem lésbica sofre o ultimato por conta de sua orientação.

Outra característica que deve ser ressaltada, especificamente no caso das lésbicas, é que usualmente são retratadas como seres hiperssexualizados. Se aparecem na tela é para o deleite e reforço das fantasias sexuais masculinas, com longas e detalhadas cenas de sexo.

Carol, livro escrito por Patricia Highsmith e lançado originalmente com o título de The Price of Salt (O preço do Sal) em 1952, quebra todos esses paradigmas. As personagens têm um final que não as penaliza e o filme de Todd Haynes surge, infelizmente apenas 63 anos depois, mas felizmente também subvertendo a representação das lésbicas no cinema e do próprio gênero romance.


O filme, em sua estrutura, não se apresenta sendo explicitamente político, pois não visa o convencimento a cerca de certa ideia. Entretanto, é muito mais poderoso e, nesse sentido muito parecido com outro lançamento de 2015, Freeheld, pois nos apresenta as dificuldades de duas personagens de forma dramatizada, gerando empatia. O cinema, como todos sabemos, tem um enorme poder de desarmar preconceitos e nos fazer vivenciar experiências que jamais pararíamos para pensar sobre e, é isso que Todd Haynes nos proporciona de forma delicada e sensível.

A obra não conta a história de duas lésbicas lutando para viver seu amor atravessando o preconceito, isso faz parte de um segundo plano de interpretação. O que temos é uma narrativa sobre o próprio processo de apaixonar-se por alguém, trajetória essa que acontece independente de gênero e orientação. O desejo, segundo o filme, é uma coisa humana e isso é explícito em uma cena em que Dannie, um aspirante a escritor, fala para Therese, sua amiga: "Você não sabe por que somos atraídos por certas pessoas e outras não, você só sabe se está atraído ou não".

O gênero romance sempre foi relegado a clássica estória "homem conhece garota, apaixonam-se de forma arrebatadora, mas algo externo os impede de ficar juntos". Carol subverte essa ideia e vasculha profundamente a essência da paixão, do amor. As personagens Therese e Carol, assim como na vida, não se apaixonam arrebatadoramente a primeira vista, mas passam por uma trajetória em que analisam e vivenciam uma a outra. Elemento que Haynes apresenta muito bem ao fazer uso dos planos fechados, em que Therese observa cada detalhe em Carol enquanto a imagem, em desfoque, sugere a espécie de absorção em que alguém se encontra ao se aprofundar em outro ser humano.

As duas personagens trilham uma trajetória de evolução e libertação. Therese, jovem e insegura sobre si mesma descobre seu próprio talento e capacidade de amar. Já Carol, que está passando por um divórcio, se redescobre e se liberta graças a Therese, abandonando as convenções sociais e a vida artificial que vivia antes.

A estrutura do filme, muitas vezes nos dá pistas para entender sua própria narrativa, como, por exemplo, em uma das primeiras cenas. Dannie e Therese, junto com outros personagens estão assistindo o clássico "Crepúsculo dos deuses", de Billy Wilder, e Dannie, que assiste filmes porque quer escrever, diz: "Agora estou estabelecendo a correlação entre o que os personagens dizem e o que realmente sentem". Carol e Therese estão o tempo todo imersas em diálogos cotidianos e trocam olhares, conversam, mas de forma interna e silenciosa, fazendo com que os espectadores preencham com as suas próprias falas o que é que dizem os apaixonados na trajetória do amor.

Haynes explora o poder do silêncio, que revela a verdadeira natureza das duas personagens. O não-dito torna-se mais importante e revela um segundo nível que corre por baixo da superfície dos atos cotidianos, como um jantar ou o ato de comprar um brinquedo em uma loja de departamentos.


Com isso, a própria forma do filme ressalta esses aspectos, a trilha sonora que surge nos momentos de silêncio, os enquadramentos e a iluminação aconchegante em meio ao frio e a neve que caem do lado de fora. O ponto de vista da narrativa, que ora é de Carol e ora de Therese, leva o espectador a conhecer as duas, a saber o que dizem através dos olhares demorados, da respiração que acelera de repente e das pequenas pausas que surgem entre uma palavra e outra.

Tudo isso guia o espectador a vivenciar um processo que independe de gênero, sexo e orientação. E como Therese questiona: "você não acha que duas pessoas, um garoto e um garoto, não podem se apaixonar, assim, do nada?". Sim, é a resposta que lhe damos ao final, pois durante o filme inteiro, independente de nossa própria orientação sexual, transcendemos qualquer definição e convenção social para experienciar a única condição que a obra nos dá: a de estar se apaixonando.

P.S: Para entender melhor como personagens homossexuais eram (e ainda são) retratados em hollywood, vale a pena assistir ao documentário "The Celluloid Closet", lançado em 1995 e que no Brasil recebeu o título de "O outro lado de hollywood".

Crítica de Mariana Dias.

CAROL (2015)
Dir.: Todd Haynes
País: EUA

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